As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. (Clarice Lispector)
dezembro 18, 2008
e já não sei ser sem ser-te
novembro 10, 2008
intimidade ou para uma flor com nome
novembro 07, 2008
sobre o dia
novembro 04, 2008
o armário de Platão
Sair da caverna, do buraco, do armário, da cela, do conforto após reconhecer o acorrentar também não é por si só o fardo da jornada. Difícil mesmo é querer-se livre, é suportar a luz, é aceitar-se senhor ou senhora dos próprios passos.
Não sei se Sartre considerou a dor quando postulou que somos/ estamos todos condenados à liberdade, mas certamente Pessoa a tinha em mente quando arremessou a pergunta: "Ah, que há de me salvar de existir?"
Você e eu somos livres. Por isso eu te amo e percebo o teu amor. E a ignorância já não nos pertence, pois a dor nos desperta e esse amor nos alivia.
outubro 30, 2008
o ser amoroso II
setembro 20, 2008
o ser amoroso
setembro 03, 2008
para a flor sem nome
setembro 01, 2008
soneto do dia anterior
como botões orvalhados na manhã
encorajam a mão silenciosa e artesã
a esculpir a face rota dos amores
não há jogos, promessas ou louvores
nada, nenhum porto a ancorar
nem alcova para o corpo acalentar
para aquecer e esquecer os dissabores
nenhum profeta foi anunciado
nenhum novo planeta avistado
nem a velha lua nova apareceu
nenhum vestígio de passagem,
nenhum rastro, nem miragem
nada, ninguém, nem mesmo eu
agosto 22, 2008
conduta
agosto 13, 2008
"solidão a dois"
agosto 12, 2008
ímpares
por onde começar? Será que existe um ponto de partida? Procuro o esconderijo, a fortaleza, mas parece que tudo está posto, tudo está dado e assim qualquer esforço pode se mostrar inútil.
Um minuto anterior é passado remoto, mesmo se remonto passo a passo parece distante, pois ainda que próximo, condiciona-se inacessível, intocável, imutável. Queria em mim essas características de passado, queria essas atribuições do que foi e não mais será, mas parece que me repito. Replicação exata!
Palavras são aves migratórias e mutantes, ainda que se expressem sob o mesmo fonema. E o amor se transmuta em cada proferir. E a dor se consolida em cada silêncio. Mas não falta nada. Tudo está posto e dado. Só eu que implico na relutância.
agosto 05, 2008
dois lados, um lado
o silêncio é natural aos ouvidos, assim como o som. A escuridão é tão necessária aos olhos quanto a luz. A lágrima e o sorriso se interceptam sem agressões ou constrangimentos, exprimem-se na hora mesma em que a alma reveste-se de dor ou alegria. A desarmonia acontece quando há inversão nos lugares das coisas, quando na hora do silêncio o som insiste em pronunciar-se, quando no momento breu, a luz risca o espaço, quando o sorriso disfarça o que por dentro é só agonia.
Não há ostentação no lírio, seja por sua beleza ou pela sua simplicidade majestosa. Ostenta-se pelo critério humano que lhe atribui o belo, o simples, o imperial. O lírio só se sabe lírio e no sereno ou tempestade mostra-se invariavelmente lírio, não se imagina ou sequer pretende-se rosa ou abacateiro, por isso sua lindeza poética. A beleza de cada coisa vem do que a coisa é. O artifício corrompe, desalinha, denigre o que é completo, o que já veio pronto.
Percebo a cadência do tempo em cada batida do coração, que continua sem se repetir e, feliz, reconheço a engenhosidade que garante com que tudo passe e permaneça. E nesse movimento novo e reiterado aprendo a ver-me por dentro e também por fora, sem esforço, sem intervenção, sem querer encontrar o que não há, admitindo como verdadeiro cada traço, legitimando sem contestação. Não há encanto ou desencanto. Nenhum atributo condiz com a apreciação pura. Nenhum julgamento cabe, basta o reconhecimento de que há faces distintas em um mesmo fenômeno. E vejo que o belo contempla e completa o feio. Pois o que são a beleza e a feiúra, senão momentos reconsiderados de um mesmo olhar, senão molduras díspares de um mesmo pensamento?
Aos poucos, lá fora, o dia engole o pretume de uma noite sem lua e de poucas estrelas. Aqui, aos poucos, a quietude das horas devora o mistério da dor, nessa regência de dois lados, na unicidade dos lados.
julho 31, 2008
o templo
esqueci de lembrar do começo. Talvez fizesse referência aos vitrais da igreja no meio do parque. Pequenina e imponente, jovem para um templo, jovem nesse tempo, mas de paredes contorcidas, contrárias à arquitetura atual, que prima pela retidão dos traços, que se levanta do chão como um espigão querendo tocar o céu, sem desenhos ou cores. Esqueci de lembrar o motivo, que era o começo, mas no início era o verbo.
Esqueci mesmo o que falar e agora já não há o que seja dito sobre os vitrais ou sobre o monumento ou sobre o templo ou sobre a crença ou sobre a fé. O olhar pela janela se tornou o principal recurso de comunicação: mudo, em silêncio agudo, sem medo nem expectativa. Contemplando, sensibilizando meus ouvidos e cada som diz mais que o aparente e mesmo o que silencia fala. Nada parece certo, mas nada está fora do lugar e tudo se harmoniza dentro do que parecia improvável. E aos poucos o beijo vai se tornando doce e a pele se reveste de calor e acolhe, sem perguntas, em completa abstração do que foi ou do que seria.
julho 28, 2008
I wish...
To give your heart a song to sing
And then a kiss, but more than this
I wish you love
And in July a lemonade
To cool you in some leafy glade
I wish you health
But more than wealth
I wish you love
My breaking heart and I agree
That you and I could never be
So with my best
My very best
I set you free
I wish you shelter from the storm
A cozy fire to keep you warm
But most of all when snowflakes fall
I wish you love
But most of all when snowflakes fall
I wish you love
albert beach e charles trenet
julho 25, 2008
julho 15, 2008
um olho na escuridão
quando teu olho surge no meio da noite, algo em mim paralisa. E imóvel, prendo-me a esse instante como se fosse o último em que teria a tua imagem. Mas aos poucos os dias amanhecem, um a um. Aos poucos a poeira do caminho vai lavando a tinta que nos marcou nos dias idos, estejam eles próximos ou distantes na folha do calendário. Habilmente, o desejo se controla (ou se redireciona) e traz harmonia às batidas do coração, traz sossego às noites, traz calor às cobertas. É como se tudo se revestisse de calma. E o perfume retorna às flores, a luz retorna ao sol, o brilho, à lua. Embora eu saiba que tudo sempre esteve no seu lugar, embora eu compreenda que o embaraço e a indiferença eram meus. Contudo, o amor não foi transferido de categoria, nem poderia. Apenas reservei um espaço maior em meu peito, pra que ele não se lance contra as paredes, para que não sofra, para que eu não sofra. A calma resulta de aprendizado, que confere controle, que leva à reclusão, que supõe distância, que traz saudade, quase sem dor.
Quando teu olho surge no meio da noite, posso criar quantas histórias eu queira, mas algo em mim paralisa. Recuo, encosto a cabeça, reclino a cadeira e olho o céu, olho a cidade e suas luzes frágeis, diante do clarão desse olho, que me olha e não me vê. Prendo-me a esse instante, como se fosse o último. Perco-me nesse instante, como se fosse o primeiro. Acho-me nesse instante, como se fosse sempre. Abandono esse instante para que seja sempre o mesmo a cada nova vez. Quando teu olho surge no meio da noite, eu não vejo mais nada.
julho 06, 2008
um mesmo olhar
O dia foi incerto, mas não quis certezas, quis mesmo esse devaneio, essa utopia de saber-me sendo um arauto de um amor encantado e que se anuncia sutil, por entre gestos e canções.
julho 04, 2008
julho 03, 2008
por trás do som
As estrelas se movem no escuro e eu as perco no momento exato em que focalizo o breu, ao invés do ponto cintilante. Parece que a lucidez se perde quando chega a noite, parece que as forças minguam quando sopra o vento, e os ossos doem e a pele arrepia e vem o medo do que já se reconhece inofensivo... mas à noite, ah, a noite! A noite entorpece o que é sano e degrada a leveza das coisas. Por isso o vinho, por isso a música, por isso o livro, por isso as pessoas: pra dissipar o nevoeiro que se coloca à frente dos olhos e simula proteger do escuro.
Mas ainda acredito no que é doce e suave e leve. Ainda acredito em mim, ainda acredito que posso voar. Até quando? Até agora, até todo presente que for presente.
junho 27, 2008
por trás das palavras
junho 21, 2008
pequeno discurso de amor eterno
junho 20, 2008
história pra lua dormir
há dias em que tudo que pretendo ser, supõe-se assim: introspectivo. Resguardo em silêncio uma memória antiga, presente, contudo. Dispõe-se ao lado, imparcial. E um ponto na parede parece o apocalipse diluviano, como uma lagartixa repousada, aguardando o desaviso do besouro. Numa divagação solitária, aguardo paciente o aviso de fumaça que sinalizará ao longe, por trás da colina, a saída fugidia dos guardiões do abismo, enquanto o cão farejador e brincalhão se dispõe a aturar meu mau humor e eu aprendo com isso. E me ensina mais que qualquer bodisatva, talvez exatamente por ser ele o iluminado.
Mas não me ocorre mudar o enredo. Mutilações e lapsos não redirecionam o desejo, mesmo diante do profundo entendimento de que o futuro é a coisa mais inexistente que existe. Nessa compreensão posso errar, o que em absoluto traz transtorno, pois na ocorrência do erro, terá havido convicção. Um erro convicto parece ser melhor que um acerto duvidoso. É certo, porém, que torno ininteligível muitas falas, mas ninguém consegue perceber, a rigor, todos os conceitos relatados, por mais evidentes que se mostrem e isso seria um contra-senso. Às vezes tudo parece óbvio e lá vamos nós acumulando teorias. É como se fosse dado. Esquecemos da leitura das entrelinhas, do olhar apurado naquilo que se projeta difícil. Se assim não for, onde está o fundamento de uma das tantas sentenças cristãs: “Deus escreve certo por linhas tortas”? Linhas tortas, caminho torto, não, eu não acredito na predestinação, nesse determinismo chamado de destino. Ele é alimentado com palavras e gestos e olhares e canções. Nutrimo-lo delicadamente todos os dias e num belo momento, de tão bem cuidado, desabrocha um “futuro”, em realidade presente, com cara de fatalismo. Eu acredito na previsibilidade construída, com um toque de arte daquilo que não reconhecemos nos dias, de tão claro que se mostra.
Sim, é uma outra interpretação, mas pelo menos não tão trivial assim. É como a lagartixa na parede, como o cão farejador, comuns e excêntricos; similares a tantos, únicos no contexto, únicos na história, como a própria história.junho 15, 2008
o desamor de quem se ama não é parâmetro para nada, move-se em outra dimensão: à margem
nunca deixe que seja tarde demais, por mais que se desconheça se há um tempo tarde. Seja agora, seja hoje, para que o sempre se solidifique, se enraíze e seja cotidiano. Seja um mundo, meu mundo. Seja esse termo que, independente do contexto, implica englobar coisas e situações, onde se denota a totalidade das mesmas. Seja a totalidade do que entendo, do que conceituo como realidade última da vida. Mas, ao que parece, é tarde demais. E não falo da hora no relógio, o tempo não determina se é cedo ou tarde. Pessoas determinam. E, até onde eu saiba, o tempo perdido legitimou passado. É tarde e passou. Passou porque ficou tarde e esquecemos de acender as luzes e seguir de mãos dadas. E quando dei por mim, seguia na penumbra e não havia ninguém ao lado e era tarde pra voltar pelo caminho e saber em que trecho exato, de dia claro, fez-se escuro, fez-se temporal.
Não pretendo aqui afirmar o que é, dizer as coisas como são, mas não posso afirmar algo como sendo, sem ser, isso implica um falso conceito. Por isso não quero dizer que é tarde, pois não sei o que em verdade isso significa. Posso, contudo, me valer do senso comum, que entende como sendo tarde, um lugar de onde não se retorna ao começo dele mesmo. Então, que nunca seja tarde a ponto de não ser possível reconhecer onde se precipitou o início.
O tempo segue num curso indefinido, por vezes breve, por tantas sustenido. As horas não supõem passagem de tempo e ser tarde não significa necessariamente que o tempo está adiante. Não me foi dada a compreensão se ele, o tempo, segue em linha reta, ou gira em torno de mim, dando voltas, projetando e refazendo caminhos com ares de inéditos, sendo os mesmos. Mas entendo que eu passo, mesmo que o tempo permaneça, por isso fica tarde, independente das horas. Entardeci, caiu a tarde em mim e ardi de saudade.
junho 09, 2008
o amor de quem se ama não é parâmetro para nada, move-se em outra dimensão: acima, no alto
sentada, com os olhos habitando no infinito e com o peso de uma tarde nos ombros, vou aos poucos esquecendo o que podia dizer, o que permaneceu em meu pensamento e nele mesmo se perdeu. Mas nunca existiu nenhum discurso certo, não seria agora. As palavras escapam e se perdem, mas não sem antes nos atribuírem suas marcas. Eu sei mais hoje do que sabia ontem e, por isso, tudo parece mais cruel, mais feroz, mais desalmado. Pequenas lanças de (in)verdades despercebidas e individualizadas, percorrem oceanos e mares e serras e vales e se encravam no espírito e provocam terremotos de sentimentos difusos e confusos, ali onde toda força se movia para o encontro com a calmaria.
maio 30, 2008
o último dia do ano
O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis, farás viagens e tantas celebrações
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida, o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
a vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
(carlos drummond de andrade, passagem do ano in a rosa do povo)
maio 28, 2008
interpretação
Eu amo com paixão!
maio 26, 2008
descrição da alma
chorei em bancos de rodoviária, em escadarias de catedrais, em poltronas de cinema, no chão do corredor. Momentos em que te expurgava e te sentia mais dentro, dilacerante. Emudecia e umedecia o rosto, os lábios, as mãos, na ânsia de evaporar-te no instante seguinte. Violei sinais e deixei que o vento revestido de poeira me acertasse, nas viagens por estradas sem destino, a pé, de caminhão, de lotação. Bebi a culpa amarga nos bancos engordurados dos botequins de subúrbio, em companhia da friagem da madrugada, que penetra pelos ossos, congela o sangue, fazendo parar o coração em agonia. Fiz jogos de azar, compus lirismos tão mesmos e tão gastos. Corroí, como as traças, páginas em branco e preto dos sebos das ruas mais antigas, mais nostálgicas. Mudei vestiário, usei maquilagem atroz, querendo ser outra, sendo a mesma, a de antes. Estraguei meus discos, rabisquei meus livros, construí olheiras, escavei rugas. Fiz promessas e perdi a fé, fiz acordos e paguei multas, gastei dias, salários, fiz notas falsas. Assisti a velórios de desconhecidos, comunguei da dor alheia. Desmontei orgulhos, fabriquei torpor. Dormi no sofá, ouvindo músicas de desamores e dissabores. Sonhei com teu rosto e acordei chorando, no escuro da casa, com o som na vitrola, rompendo o silêncio, dando forma a esse estado de agora.
maio 25, 2008
a margem oposta
ouvi música, por aqui passaram melodias diversas. Li um pouco. Escrevi um pouco. Deitei um pouco. Não dormi. Olhos bem abertos, ora bem fechados, mas o pensamento em vigília. Num longo momento: silêncio, penumbra. De repente, o medo, um medo que trava. Um medo que, ironicamente, se põe à frente do peito, como se para protegê-lo, enquanto o esmaga. Não sei muito o que dizer. Essa fala comedida, quase lenta, posiciona-se de forma desmedida tantas vezes, operando um discurso desconexo. Então, rabisco essa tela. E, neste momento, comedidamente desmedido, elejo desejos, vontades. Queria fitar São Jorge na lua, escrever uma música, fazer um café. Queria ler outro livro, outra página, outro verso. Queria sentir a noite, a brisa, o vento. Queria contar estrelas, pegar uma e oferecê-la e vê-la reluzir em outro espaço. Queria uma mão, uma voz, e, no instante do agora, me desfaço da impessoalidade. Eu, em verdade, te queria. Queria tua paz, teu céu, teu inferno. Queria teu instante, teu momento, teu olhar sorrindo, teu sorriso fitado em mim. Queria o teu gesto, preenchido com teu jeito, ao alcance. Queria tua respiração, calma ou descompassada. Queria teu suspiro, sentir o cheiro desse ar que que habita em ti. Queria teu abraço, lento, sem pressa do fim, sem fim. Queria contemplar teu rosto até ele se perder dentro dos meus olhos.
No entanto, as vontades estão sendo domesticadas. Esse é um momento de travessia, embora não entenda o que significa esse trilhar de um lado a outro, pois imagino que os dois lados são mera convenção, e qualquer ponto poderia ser margem, uma vez que poderia representar partida ou chegada. Mas aqui proponho significação de um lado e de outro: a margem leste, onde disse adeus; a margem oeste, aquela que ainda não alcancei.
maio 22, 2008
endereço certo
maio 21, 2008
à espera dos dias
Junto com o despertador, um galo em quintal distante, reafirma o início do dia. A luz se acentua e o céu se desmancha num azul aberto, como se se derramasse sobre o cinza hostil dos edifícios, que compõem esse horizonte urbano. Alarmes de veículos sendo desativados lembram o ranger de porteiras se abrindo. Sim, pode ser uma comparação forçada, feita por analogia de sentido e não pela pertinência dos sinais. Cai bem, contudo, visto que se segue do estouro dos motores, para além das cercas contentoras, só retornando, empoeirados, ao fim do dia. Um, dois, três, quatro carros saem juntos. O sol já se anuncia em calor. O anúncio em luz se fez há um tempo suficiente para contagens e recontagens de coisas desnecessárias e de coisas que não lembro.
Mas esse peso sobre os olhos, essa vontade de noite sobre o corpo, que o empurra para o calor das cobertas, que desconhece qualquer cenário laboral. Desconsidero os sinais, insisto, permito o sono... um, dois, três, quatro... que os dias passem.
maio 20, 2008
seu coração comigo
I carry your heart with me (I carry it in
my heart) I am never without it (anywhere
I go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
I fear
no fate (for you are my fate, my sweet) I want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you
here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart
I carry your heart (I carry it in my heart)
(e.e.cummings)
maio 18, 2008
abstração do tempo
contar os dias retarda-os, torna-os morosos. A urgência me impele à contagem, compassos de espera. O que mais desejo é que eles acelerem, corram, ultrapassem os sinais vermelhos. Em alguns instantes, desejo que estacionem, que esqueçam o chicotear das horas. Geralmente, esse desejo último se refere à presença do amor atribuído de dotes e qualidades da pessoa em quem esse sentir atualizado se expressa.
O amor é piegas ou coisa que o valha, ou apenas nos deixa assim, explorando universos de canções, que bem poderiam ser doações para coisa amada ou inspirações na coisa amada. Embaraço-me com o que quero dizer, quando tento mostrar isso que não se sabe ao certo, nem se sente certo. Contradigo-me, volto atrás. Usualmente, me utilizo de outros, que apresentam leveza e domínio nesse discurso amoroso. Mas gosto mesmo é de dizer, mesmo assim, mesmo estranho, mesmo um.
maio 16, 2008
fragmentos
como re-unir o que nunca se separou? Nem sempre procuro, mas como haverá revelação se não for lá, se não olhar atentamente? Muito muda ao longo do tempo, muito continua o mesmo. Às vezes criam-se razões para o silêncio e, diga-se de passagem, algumas pessoas fazem isso muito bem: silenciam. Certa vez pensava sobre o que se oferece ao outro, sobre não precisar de respostas. Um “eu te amo” não tem que ser acompanhado por um “eu também”, um “estou com saudade” não supõe o mesmo, por isso não implica retorno. Hoje, eu sinto muito. Sinto porque não se trata de pergunta, conseqüentemente, não se espera resposta. Trata-se de contato, de aproximação, de sintonia. É mais além e, por isso, muito mais óbvio.
Começar é sempre um risco, terminar também. Por isso me proponho a iniciar e terminar, sem mesmo sugerir ritos para cada novo evento. As coisas nascem e morrem e renascem e morrem... e renascem e morrem em si, anagrama de mim. E continuo rompendo conceitos, querendo achar o equilíbrio, mas continuo me mantendo a mesma: prolixa na acepção mais assertiva que se possa conceber. Dizendo sim e, algumas vezes, não. Comovendo-me com poesia, e sendo dura por estupidez. Resquícios da lição aprendida, onde se mostrar sensível é sinônimo de ser fraco e tolo; e isso me faz perder as medidas no que se refere a ser capitão do navio ou apenas mais um a pedir permissão para navegá-lo. Continuo brindando à lua e querendo aprender a rir de mim, como tantas vezes se chora de si mesmo. Se fosse dada à astrologia, diria ser classicamente geminiana, e sou, que não significa ser duplo, mas dual. Alguém que precisa de ar fresco e da luz do sol, como também da noite e de outras estrelas; alguém com coração e intestinos vulneráveis. Alguém que sofre de insônia, face à vulnerabilidade cardíaca. Alguém mutante e mutável, que pode morrer por amor ou por amor matar.
Não acredito que repensar ou remexer situações passadas possam ser de todo úteis. Algumas vezes podem só despertar sentimentos nocivos, como tristeza, mágoa, raiva, rancor; mas penso também que podem clarear alguns horizontes. Não reconhecer, pressupõe conhecer de alguma forma, mas nunca me quis com essa pretensão conhecedora. Contudo, se há um modelo, que não se harmoniza com o que foi predito é possível que o modelo tenha sido trocado ou a predição maculada.
Suponho que achar tudo isso é só mais um mal romântico, como tentar prever e chegar perto, às vezes perto demais, aquela eterna invasão do universo da coisa amada. Talvez tenha que reaprender a amar, refazer teorias, quebrar paradigmas, reinventá-los.
E lá fora, as luzes de mercúrio fingem que combatem a escuridão. São meros pontos luminosos, nessa coisa assombrosa que chamamos noite, nesse mistério guardado pelas estrelas.
maio 14, 2008
sim
maio 11, 2008
a noite de um dia
E tudo flui, sem impacto. Tudo atravessa considerando essa linha móvel, que tudo impulsiona, mesmo quando inerte, que tudo ultrapassa, sem transgredir, sem criar nós, sem embaraços. Mas tudo pára, impactado no abraço desses braços e energiza a pele embebida nessa carícia, que sorve através dos poros. E não há razão que proponha elucidação a este encravar de corpo e de alma, que se lança em dança lenta, em calor e frio e arrepio. Tudo pára, menos os braços e pernas e lábios. Tudo pára, mas há voz, que derrama o gozo poético, que, sim, faz meu estilo. Tudo pára, menos os cheiros que se misturam e perfumam a cama, o quarto, a casa. Tudo pára e silencia. E no silêncio a respiração dos corpos, que enlaçados, não se sabem início ou fim por eles mesmos.
maio 08, 2008
do nada
passei vinte minutos absorvida na imagem da página em branco. Passaria mais, esse não é o foco do raciocínio. Uma página em branco sempre sugere possibilidade e isso sempre será a melhor de todas as coisas. Era como se estivesse imersa em um buraco, tentando enxergar olhando para o alto. Havia certo desinteresse em encontrar o que compor a página, havia desinteresse em pensar no desenho. Foi quando ajustei a folha em branco ao conceito de possibilidade. Foi quando lembrei do papel nu que transporta sentimentos e me pus a derramá-los, às vezes metricamente ajustado, outras com displicente cuidado. E derramei versos de amor, canções de dor, segredos antigos, sorrisos de festa, histórias pra dormir, enredos pra se apaixonar. Mas veio outra pausa: o que fazer com o que havia soltado, como tornar sentimentos de uma alma confusa em palavras inteligíveis, factíveis? Era melhor retomar, voltar ao início, recompor os conceitos, usar a borracha e deixar a página em branco se expressar por ela mesma. Mas como tomar de novo posse, como voltar ao que era antes, como percorrer mais uma vez, se já estava tudo lá, mesmo se corrompido pela remoção do seu conjunto de cores?
maio 07, 2008
maio 05, 2008
re-leituras
achei que pudesse reler certas coisas e continuar imóvel. Errei. Tudo permanece o mesmo. Tudo é o mesmo, como se nunca tivesse deixado de ser nem por um segundo. Cada palavra se move com a mesma violência e causa o mesmo impacto, que começa quando o coração dispara, atravessa todo o corpo como um raio e se projeta até às extremidades, promovendo tremores nas mãos, que se contorcem na ânsia de aprisionar o amor entre elas e jamais permitir uma fuga, mesmo que supostamente consensual. Achei que eu tivesse aprendido, que eu tivesse conseguido ver imparcialmente, de forma não passional. As releituras mostram algo novo, mas não contrário, mostram a mesma direção. Ao que parece, mais serena, porém mais contundente, mais fiel ao que representa. E não me preocupa se há silêncio, se há ausência, se há medo. Não há certeza e isso também não gera qualquer susto. É como se eu soubesse, mas negasse por proteção ou orgulho.
maio 04, 2008
hoje
Um minuto que fosse
Apenas isso, não mais
Tocar tuas mãos macias
Roubar-te um beijo
O beijo da vida
Depois te deixaria
E esse deixar não duraria mais que uma lua
Mais que isso a dor não permitiria
A minha dor, saudade tua
Infinda saudade tua, dor minha
O tempo é breve e espera por nós
maio 03, 2008
a tarde como um rio suspenso
e eu já não sei o que pensar nessas horas... é denso, antes fosse inusitado. Se essa é a realidade, o que é a realidade? Onde estão as certezas? O que significa esse movimento, esse ir e vir de opostos, esses contrários que não se anulam?
Houve trovões e relâmpagos, sons e clarões que escaparam de um céu cinza e tumultuado. Era como se eu pudesse me ver por dentro. Mas havia beleza, era como um baile orquestrado, onde a chuva, com seus pés pequenos e delicados, dançava rodopiante na tarde inteira. Houve memória, desatino, pensamento e nele essa estória equivocada e tão clara. Esse jogo de palavras, que permite diversos julgamentos, porém uma única sentença, que declara e encerra a proposição mais íntima de tudo que foi dado como certo. Entendo que percebo o certo apenas como condição própria das coisas que evoluem com a cara da reticência, da incerteza, do não eternamente crível.
É certo que não sei o que pensar, mas me desfaço dessa necessidade de gerar pensamentos e me entrego à beleza sutil de sentir. E elejo um sentido. Fecho os olhos, nego a luz. Ensurdeço e calo. Negligencio o toque. E sinto teu cheiro, que é a melhor coisa que penetra no reino dos meus sentidos, transforma-se em sentimento. E o meu amor é só perfume.
maio 01, 2008
maio
abril 29, 2008
abril 27, 2008
rua do caminho sem fim
Os dias eram longos e os anos intermináveis. Não havia tanta pressa. E me pergunto se aquela casa de janelas azuis, que se abriam em varandas, ainda existe, se abriga alguém. Lembro do Leão, fiel cão vigia. Lembro-me onde foi sepultado. Lembro da quantidade admirável de canários amarelinhos que pousavam despreocupados pelas árvores, pelo telhado, na antena, na cerca que me separava do mundo lá fora, esse mundo de agora.
abril 25, 2008
delírios e delícias*
falo muito sobre o amor, falo muito sobre a verdade, sobre o que conheço por verdade, sobre o conhecimento que caracterizo como potencialmente verdadeiro. Tenho conceitos próprios, ora duradouros, ora efêmeros. Falo o que convém, mesmo quando não conveniente e às vezes silencio. E falar sobre essas coisas leva, necessariamente, ao discurso sobre desamor, sobre mentiras e não-verdades, que as suponho, estas últimas, categorias completamente distintas. Por exemplo: tenho relegado, rejeitado o amor erótico, o amor romântico, mas em absoluto, essas opiniões metaforizadas significam que eu não deseje esse amor assim editado. Então supor o amor falível e desejá-lo eterno, não implica aversão ou contradição. Entendo como uma verdade ou não-verdade inconstantes, mas não uma mentira.
Talvez sejam delírios de desamor, não se trata de rancor. Essas coisas andam separadas. Nesse aspecto, concordo com Freud, que afirma ser defesa o sistema delirante. Por isso me sinto mais leve, exceto naqueles momentos em que meu delírio de boa companheira é esmagado na parede, com suposições mesquinhas. E essa característica classificatória, própria do que se diz humano, é em mim muito sintomática. Se classifico e atribuo categorias às coisas é apenas para melhor compreendê-las. Faço uso exagerado da conceituação e categorização de termos, através desse meio sistemático de comunicar idéias e sentimentos, utilizando signos convencionais e que denominamos linguagem. Abuso da linguagem gráfica, mas percebo que desemboco em teorias antigas, de autoria própria, inclusive.
Mas quero me ater às delícias dos dias. Quero falar sobre o doce-azedo do umbu, sobre o frescor da água, em meio à tarde ensolarada; quero falar sobre o combate lingüístico em discursos acadêmicos (que põem em dúvida nossas convicções mais antigas); quero falar sobre a chuva que tem refrescado as madrugadas; quero falar da palavra em voz comovida que me foi lançada outro dia; quero falar de tons claros, como rosa, azul, branco, amarelo; quero falar sobre o amargo atraente da rúcula, que enfeita e impregna de sabor as refeições; quero falar do frio e do doce do sorvete de manga; quero falar sobre o vento que assanha meus cabelos; quero falar das mãos que dão carinho sem esperar retorno; quero falar da música que promove flutuações; quero falar da luz que rompe a noite e da escuridão que adormece o dia; quero falar sobre pombos que fizeram seu ninho em minha janela e me acordam com seus sons gorjeantes; quero falar de borboletas e nuvens; quero falar de outono; quero falar das presenças diárias e gratuitas; quero falar da paciência e ternura dos amigos; quero falar do teu jeito manso e delicado de dizer as coisas, que tem me feito pensar nas paisagens mais lindas, que tem me feito acreditar e querer classificar o amor, o desamor, as verdades e não-verdades dentro de outras categorias, mais leves, mesmo que transitórias.
*pegando emprestado e adaptando o título de um disco de simone bittencourt de oliveira, da década de oitenta, precisamente, de 1983
abril 24, 2008
achismo
posso falar de dor, de amor, de rancor, de dissabor, de louvor, de calor, de rubor, de sensor, de detector, de tremor de terra e de mãos, mas não posso falar de ti. Como alguém pode inexistir de forma tão categórica na vida de outro?
E o que me importa descrever tantos adjetivos de amor, elaborar tantas definições, se nenhuma delas foram suficientemente graves para que continuasses a me olhar? Na verdade, nada te faria me olhar de novo. A propósito, alguma vez olhaste só para mim, fui teu alvo único ao menos por um pequeno instante? Porque eu sei que não fui o que sendo, disse-te que seria. Não me apresentei em gesto o que em demasia me expus em palavras. Culpo essa introspecção expansiva, própria de quem, em essência, se constitui duplo. Mas sou isso que sangra em verbetes equivocados e inexpressivos, coerentes com a dificuldade de dizer o que grita na mais remota profundidade do que sou. Sou a dor maculada em riso e bons modos. Sou o afeto, revestido em apego. Sou o olho que cega na busca da luz antes nele refletida. Sou o canto de amor que brota da chuva quando pisa no telhado. Sou a carícia da gota, quando resfria a pele que queima pela saudade. Sou quem te ama e assim me reconheço.
Então, silêncio. Acalma esse teu coração impulsivo, esse desejo de dizer coisas que já não interessam à tua platéia, aos teus ouvintes. Aos poucos, o tecido pesado e denso que formava tua cortina, foi sofrendo pela ação do tempo, desgastou-se, rompeu-se e te vimos sem maquiagem, sem fantasia, no camarim, só. Numa mão uma taça de champanhe barato, na outra, restos de ilusões escritos às pressas em guardanapos de bares e botequins, onde transgredias as madrugadas.
Silêncio. Não há nem mesmo lágrima, nem sorriso, nem aplausos. Assume essa face plastificada pela dor e desencanto por não ser, por não ter sido, por não poder mais ser. Faz uma prece. Pede calma, pede paciência, mas não fala. Não diga o que já não convence. Não encena outra vez esse texto retocado, remendado, mas com a mesma intenção desalinhada de dissuadir corações puros, de fisgá-los e prendê-los na tua toca de fera comovida.
Cala-te. Não cogites repetir. Já há tanta insanidade dispersa, não contribuas ainda mais. Faz silêncio, ouve apenas o que não precisa de palavras, ouve o que vem de ti, ouve além do que foi estabelecido como certo, como fim, como norma, como pronto. Ouve além dos teus achismos veementes.
abril 19, 2008
cuidado de lua (não falo de cuidado possuidor de fases)
Esquivo-me à ponderação sobre o ato de pensar em ti, num dia com noite de lua cheia. Sei dos riscos e rio deles, já não me causam aquela dor áspera, que se movia com rapidez tal, que em segundos todo corpo se contorcia em agonia súbita. Hoje ela é lenta e suportável e quase feliz, precipita-se em vida. Dor é vida, é sensação que demanda cuidado, proteção. E lembro das pessoas que estão por perto, que não se permitem ficar ao largo, só porque em alguns momentos, nossos discursos são tão os mesmos, são franca ecolalia e, à revelia do inédito, nos ouvem. Isso é cuidado. Por isso a lua não me machuca, apesar de me acertar, ela me ouve, ela sabe, ela me olha e se abre em brilho.
abril 18, 2008
o cego e o amor ou sobre a cegueira de ambos
O amor é cego e ainda assim não consegue ver com clareza as coisas e isso não é um equívoco de fala. Pessoas que apresentam alguma disfunção visual são mais perceptivas e sensíveis, conseguem enxergar com limpidez e profundidade não comuns à maioria das pessoas com olhos sãos. Mas o amor é cego, condicionado, limitado, superficial, desprovido dos atributos comuns à cegueira. Não o amor-amor, mas esse amor que aprendemos a sentir e nomeá-lo de eterno e verdadeiro, ao mesmo tempo em que está preso a amarras mesquinhas, a dogmas superados. Amor de novela: difícil e fatigante por toda a vida, que se decide num final feliz, que só terá dado certo se existir um final feliz. Contraditório! Supor um final não significaria término? Onde fica o eterno? Que verdade está implicada nesse caleidoscópio de conceitos assimétricos, que buscam harmonia? O eterno está fora do tempo, não há princípio ou fim, nem marcação transversal. Talvez o amor seja o princípio, talvez seja o fim (leia-se finalidade), não sendo possível as duas propriedades, são excludentes, por isso vejo maior praticidade em compreendê-lo eterno. Eis que se lança outro impasse. Seres temporais, somos isso. Não visualizo o temporal detendo o eterno.
Mas não se trata de amargo ou peso desabrochados de mim. Hoje o dia está claro e leve e fresco e com cheiro doce de flor de primavera em manhã de domingo, e essas qualidades todas se refletem em cada gota do que sou, ou ainda posso crer que cada luz do dia seja reflexo da beleza que amanheceu em minha alma. Mas falo da alma como coisa originante, como parte de tudo, como primórdio e não como coisa esvoaçante, que pula de corpo em corpo, até um abrigo derradeiro, fora do corpo.
E já não me importa se esta é só mais uma teoria sobre a mutação rítmica do amor em meu pensamento. Ontem eu te amava, hoje sou quase o amor eternizado, hoje sou quase perfeição.
E o dia brilha. Lá fora e aqui dentro, no peito!
abril 13, 2008
pergunta atemporal
Ontem e hoje são iguais
Rezas e cantos não me acalmam
Qualquer coisa traz tua imagem
Unica e serena
Em partes, em minúcias, sempre inteira
Vivo imaginando teu olhar
Onde ele fita, quem olha?
Cadê aquela luz que me iluminava
Em direção qualquer que marchasse
Nenhuma canção é tão linda
Aguas cantarolantes não são mais belas
Orações e hinos, nada é como tua voz
Voz que me enternecia
Olhos que me acalmavam
Lábios que me envolviam
Tez que me aquecia
Aonde moram
?
os ombros suportam o mundo
chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
(carlos drummond de andrade in sentimento do mundo)
abril 06, 2008
domingo
Eu espero
Acontecimentos
Só que quando anoitece
É festa no outro apartamento
Todo amor
Vale o quanto brilha
E o meu brilhava
E brilha de jóia e de fantasia
O que é que há com nós dois, amor?
Me responda depois
Me diz por onde você me prende
Por onde foge
E o que pretende de mim
Era fácil
Nem dá pra esquecer
E eu nem sabia
Como era feliz de ter você
Como pode
Queimar nosso filme
Um longe do outro
Morrendo de tédio e de ciúmes...
(marina lima e antônio cícero - acontecimentos)
abril 04, 2008
ela olhava pra mim
ela olhava para mim descontraída, como passarinho em manhã de primavera. Ela me olhava contente, como contente é o canto do pintassilgo no alto da goiabeira, vendo o sol despontar ao longe. Não há nenhum tratado pintassilguês que já tenha demonstrado as razões do cantarolar desse pequeno morador dos céus, quando a primavera acontece em uma flor. Já no meu tratado de pretensões presumíveis, eu buscava descrever os motivos daquele contentamento descontraído, que se jogava em minha direção.
Ela olhava pra mim atentamente, como borboleta amarela ao primeiro sinal de roseira se abrindo em cor. Na ciência borbolética, não se explica, muito menos se deseja explicar essa atenção, ela é atenta e fim. Na minha alucinação concebida, buscava identificar que sinal emitia para captar essa admiração.
Ela olhava pra mim com ternura, como é a chuva que afaga os telhados, na madrugadinha sertaneja. Dentro da sociologia das águas, não há discurso que aponte o motivo dessas carícias em forma de lágrima, na pele ressequida do agreste telhado. Na minha filosofia rupestre, me dediquei a questionar as razões das ondas de carinho terno que me tocavam.
Ela olhava pra mim com desejo, como o cão deseja a volta do seu dono e faz a mesma festa, estando ele ausente há 10 minutos ou há 24 horas. Ela me olhava assim e eu permaneci imóvel, com medo que aquilo me quebrasse, me partisse ao meio. Ela me olhava desse jeitinho: contente, descontraída, atenta, terna, desejosa. E eu a chamei de azul e eu também a olhava, admirava, guardava, protegia e me encantava. Mas num dia desses qualquer (pois não importa saber o dia que ela deixou de me olhar), eu a percebi distraída. Ela ainda me olhava, é certo, mas sem muita convicção, sem muito entusiasmo. Eu que sempre propus definições, achei que fosse resultado do cinza inverneiro (era inverno? Não sei!). Mas persistiu e eu quase não a sentia me olhando. Ela olhava, mas me transpassava, via além. Alguém? Eu não sei, mas sei que ela quis saber o que estava lá, onde se fixava o seu olhar. E olhou e viu algo e não mais voltou a me olhar daquele jeito, que não pude perceber em nenhuma outra que tenha me olhado algum dia.
Às vezes paro diante do espelho para captar a sensação de olhos em minha direção. E lembro que eu quis entender quando sentir era suficiente, mas eu senti e muito e sinto ainda o impacto daquela luz. Às vezes penso que aquele olhar não perdeu nenhum de seus atributos e apenas foi desviado, interrompido. Bloqueio e boicoto essa idéia. Não é possível quase nada se eu supor que em algum momento eu teria de novo ela olhando pra mim. Então eu fecho os olhos e abro a porta e penso que sou livre e vou ver o mar, que não tem a cor dos olhos dela, mas me inunda, me causa qualquer sensação de calma, que se desvela pela água que sai dos olhos e se confunde com a onda verde-azul que fui buscar.março 26, 2008
teoria das entrelinhas
carinho de maré é lua cheia e despretensão é sempre um discurso contundente, quando o assunto é o olhar do outro. Soa mais poético, romanesco, há uma certa admiração ingênua. Não há qualquer tipo de prerrogativa, não há qualquer tipo de intervenção, não visível ao menos. Constrói-se no fluir calmo das ondas remadas pelo vento. Começa como tudo que se planeja mitificar para engrandecer: ao acaso, mas considerando um caminho desde sempre posto, esperando o seguir; afinidades antigas, olhares reconhecíveis ao longo das eras, vínculos da idade do calendário. Como em toda boa história de relações amorosas, graceja-se essa casualidade, permeada por uma atemporalidade, que eterniza o momento e admite-a como verdade inquestionável, rejeitando-se a negativa contradita de que se pretendia ser.
E posso olhar nos olhos, posso sugerir qualquer outro roteiro, nenhum será significante, nenhum pousará tão perfeito, quanto o que se põe sem o desejo criador prévio, sem a idéia que principia. Mas pelo menos fica a teoria subentendida, essa coisa de argüir, suspensa em meu comportamento insensato, inoportuno, desmitologizante, quase inquisidor. Contudo não pretendo respostas. Sou também despretensiosa nos meus rodeios, quase imperceptível. E não espero, em absoluto, provocar qualquer efeito, não aspiro ser causa. Mas não posso negar que minha retórica sim é desprovida de qualquer manha astuciosa, reafirmo sua ingenuidade. Ela foi pensada apenas no sentido de suavizar as armadilhas postas, quem dera, pelo destino.
março 21, 2008
a dualidade do que é uno
Não é possível qualquer debate acerca do amor entre o amante e o não-amante. Há desconexão de discurso, há conflito, resistência, perturbação, adversidade. Por isso sempre rememoro com espanto minhas bases conceituais amorosas, nos distintos períodos em que me ponho como amante ou não-amante, como quem sente ou como quem pensa. Contradizeres se despejam em abundância.
março 18, 2008
sobre a palavra
tenho especial atração pela palavra. A palavra cantada, escrita, dita, me causa encantamento. Mas gosto sobretudo do jeito como se diz a palavra. Gosto de ouvir cada letra no seu tempo, com a força que lhe couber no instante da pronúncia. Gosto da palavra que sai da boca após reflexão, como gosto da que escapa sem aviso e nos impregna de léxicos. É vital, no entanto, para os ouvidos o dizer apurado, a modulação do som, que confere cuidados com a palavra, respeito com o que pode constituir um significado, mesmo quando sozinha, operando o seu livre-conceito.
Tenho interesse na beleza que esses sons articulados produzem, quando exprimem idéias. A palavra, quando dita, pode ser uma carícia espalhada pelo vento, que penetrando pelos ouvidos, acaricia todo o corpo. A palavra é dádiva que jamais retorna à fonte originante no mesmo formato. Uma vez pronunciada, não poderá ser capturada, armazenada, escondida, pertencerá a quem ouvi-la. Por isso a importância do bem-dizer, existe apenas uma oportunidade de proferir o som e manifestar uma significação. Mesmo que repetida, jamais expressará o que a pronúncia anterior sugeriu.
A palavra é texto, pretexto e contexto. Acompanha-nos mesmo quando silenciosa, mesmo quando emudecida. A palavra não precisa de alto-falantes, ela pode ser sussurrada e gerar mais deslumbramento que se lançada em tons maiores, mais graves, ostensivos. Na verdade, em mim, gera mais impacto quando assim, murmurada.
Gosto da articulação da boca, do movimento dos lábios, de como os olhos acompanham o dizer, ligados por uma relação de pertinência, como a harmonia de uma orquestra sinfônica. Gosto de como as mãos regem e acompanham e se intercalam entre os sons e os gestos. Encanta-me quando se inverte a fala, enaltecendo a palavra, ainda que para ter um sentido mesmo, mas que vai despertar a atenção pela possibilidade de se produzir o novo, com o que é comum.
março 15, 2008
o amor pelo avesso
março 12, 2008
temática do desespero
A imaginação relativiza qualquer medida que pareça afastamento. Sempre foi assim. Conjecturo as mais estranhas formas de justificativas, para manter a chama ardente acesa. Pode ser que não resolva, de certo não resolverá, mas parece bom e traz leveza, mesmo que momentânea. Pareço-me a mesma, mas ao redor tudo tomou nova forma, tudo se pintou ou descoloriu e me perco na tarefa de compreender em que país de Alice às avessas fui remetida. Não adiantam cartões postais, nem poesia em branco e preto, nem mensagem multimídia, nem telefonema à meia-noite, nem email descontraído... perdi os códigos de acesso e suponho que tentar uma segunda vez poderá fazer bloquear o próprio instrumento de remessa: medida preventiva!
Então a insônia tornou-se substrato de amor recôndito. Apenas as olheiras testemunham-no. Talvez o morcego angelista também possa atestar esse sentimento desmedido, explosivo, como trem descompassado e que meu peito teima em dominar, em embalar, para que adormeça, para que caia em sono profundo e se esqueça.
março 10, 2008
se eu soubesse
como poderia expressar o que a boca nega, teima em esconder, em manter silêncio, em exercer comedimento? Cada pensamento e o coração sobressalta-se. Pancadas na porta ou seria o peito desavisado?
Procuro não desalinhar as idéias: 'métrica, rima e nunca dor', mas se eu tivesse conseguido dizer a tempo, se tua paciência não fosse tão objetiva, se eu não me perdesse com as palavras, se o meu gesto fosse mais livre? Se eu não caminhasse pelo caminho mais longo, se não fosse certo que creio no que acredito, se eu não fosse maio e você, verão...
E entendo que ser vítima de mim mesma, torna-me mais cruel que ser tirana de um país. Ocultei a lógica e me dediquei à magia, pus-me a mitificar, a atribuir justificativas, quando tudo era óbvio, real e posto, tudo dado em sorriso de olhos e boca. Tudo aqui, ao lado e eu feito louca, enxergando outra dimensão de pecados e medos. Como pude não saber, como pude não dizer, como pude acreditar que não era preciso? Por que fiz tão difícil o ir, por que me preocupar em como chegar, se deveria apenas desenhar a estrada, o ir-me a ti?
escrito após ser impactada pela bela canção if you knew, por nina simone
março 06, 2008
dias sim, outros também
ainda bem que a minha consciência me permite distanciamento, abstração, heterogeneidade. Não sou a única pessoa do mundo, mas sou a única a ser eu mesma. Sou o que se pode chamar de inédito e ainda assim ser possível ser novo de novo todos os dias, como o sol que toda manhã surge o mesmo, mas sem impressão similar antes. Ainda que o figurino se mantenha, ainda que o pensamento ordinário se eternize, se solidifique, todo o resto é névoa mutante. Mesmo que me enraíze e creia-me imparcial ao tempo, há de chegar o momento em que, com espanto, será dito, talvez com descompassada ironia: tudo está diferente, sendo o mesmo. E é essa conjunção de dois lados ímpares que me permite de dentro ver todo o mundo de fora, ao mesmo tempo em que o mundo de fora, mesmo sem me enxergar por dentro, promove as mudanças que levarão meus olhos a ver tudo com novas cores.
O presente é um suspiro apressado entre dois momentos inatingíveis, quiçá inexistentes. Por isso o doce e amargo da compreensão do que é, a droga que cura e envenena: É! e neste exato momento em que termino estas palavras, foi! Ainda bem que tenho memória consciente que me permite esquecer o que foi e não devia, projetar o que não será e eu queria.
março 03, 2008
tratados e armadilhas
zumbido de abelhas estraçalhando o silêncio flutuante do passado. 'Vamos, acorde! O padre já vai celebrar a missa...' 'Que missa? Hoje nem é domingo!' Conto de fadas nordestino: a mocinha em seu vestido rosa-flor, com perfume de laranjeira e duas tranças no cabelo, presas por fitas brancas de cetim. Na memória, encontro marcado: missa matinal, na capela da cidade. As palavras do sacerdote terão conotações várias, e ela se colocará na posição de obediência aos ritos, de risos sobre os ritos, até o momento em que haverá ausência absoluta da percepção da voz do vigário.
O amor é igual em qualquer contexto. Na balada da cidade grande; no bailinho da cidadela esquecida entre os montes; nos bares, que acolhem segredos de fins de tarde; nas calçadas das cidades históricas; nos shoppings climatizados e hostis; nos consultórios de psicoterapia; nas salas de aulas infindáveis; nos leitos hospitalares; no silêncio dos museus; nas salas de projeção; nos quartos de penumbras e sussurros. Desmerece traduções, desconsidera interpretações. Diga-se amor e eis que se formulam tratados. Iguais em essência, repetitivos e trágicos.
março 02, 2008
filosofia do amor em mim
E você me diz que não é insistência, mesmo vindo de sua retórica meus piores hábitos. E você me atira, despretensiosamente, proposições que desencaixotam as imagens lacradas, as perguntas sacralizadas pelo voto de silêncio, removem-se e tentam escapar pela boca. E entendo a irônica pergunta feita a Tales, quando este despencou em um buraco, por olhar para o alto, para o céu. Nunca é possível olhar tudo, ao mesmo tempo, mas escolhemos o alvo, escolhemos o jeito. Admiramos, contemplamos e nos permitimos afetar. Direcionamos os sentidos para aquilo que tentamos entender, para aquilo que desperta o desejo de ver de perto. Às vezes com espanto, outras com temor, umas com alegria, outras vezes com cuidado, em tantas com frouxo descuido... independente da aflição que me preenchia, era você o céu. E agora não sei como me resgatar deste abismo que, descuidadosamente, me fiz submergir.