dezembro 18, 2008

e já não sei ser sem ser-te

gosto de ser o que sou e isso não significa arrogância. Gosto da minha casa e do meu vinho e do meu amor. São meus porque eu sou isso que me tornei e me torno a cada segundo e eu os quis e eles a mim quiseram. São meus! – e aqui falo da casa e do vinho, pois meu amor é meu na medida em que sou seu. Gosto do que sou e gosto, sobretudo, de quando me pinto de voyeur. Olho-te, como olho a mim mesma, gosto de ver-te quando não sabes, como gosto de olhar-me ao redor, ao largo, quando estou em ti.

novembro 10, 2008

intimidade ou para uma flor com nome

não há verbo que transfira a rota que me leva ao teu abrigo, não há direção mais desejada, pois desde que deixei a casa, o conforto e me pus nessa trilha, meus sentidos ficaram mais livres. Dei pra me demorar olhando pequenas folhas orvalhadas na beira do caminho, que refletem o sol e iluminam a estrada. Cada passo se reveste de alegria e cansaço é só uma teoria que aguça a poesia do descanso em teu abraço. O calor e o suor são lembranças e desejo do que existe em nosso encontro, que arrepia a pele, que tremula cada músculo e contorce o corpo, quando esses teus carinhos lânguidos me percorrem por dentro e por fora e transpassam a noite e criam mais estrelas no céu e tua língua as põe na minha boca e acariciam a minha alma. Tuas mãos me enternecem e me fazem grudar em tua pele. Nessas horas não sei ao certo se me perco ou se me encontro, não sei o que em mim é teu, nem o que em ti sou eu. E os dias amanhecem com aroma de flores silvestres e com o gosto do amor, que tem a tua saliva.

novembro 07, 2008

sobre o dia

nessa história, nada é gratuito ou dispersão, nenhum momento se repete ou se anula, nem mesmo a dor corrompe qualquer instante. O tempo é aliado e a noite guardiã da pétala dessa flor que atende por seu nome. É amor!

novembro 04, 2008

o armário de Platão

a mais contundente afirmação alegórica no ideal platônico da ascensão das trevas à perfeição, pode ser transliterada aos vários aspectos dos aprisionamentos aos quais nos entregamos. Soltar as amarras não é o mais difícil. Diga-se à parte, inclusive, que este é o momento mais óbvio. Trabalhoso mesmo é reconhecer a prisão. Mas a partir do momento que se detecta a corrente, torna-se possível o desejo do desvencilhar-se dela.

Sair da caverna, do buraco, do armário, da cela, do conforto após reconhecer o acorrentar também não é por si só o fardo da jornada. Difícil mesmo é querer-se livre, é suportar a luz, é aceitar-se senhor ou senhora dos próprios passos.

Não sei se Sartre considerou a dor quando postulou que somos/ estamos todos condenados à liberdade, mas certamente Pessoa a tinha em mente quando arremessou a pergunta: "Ah, que há de me salvar de existir?"

Você e eu somos livres. Por isso eu te amo e percebo o teu amor. E a ignorância já não nos pertence, pois a dor nos desperta e esse amor nos alivia.

outubro 30, 2008

o ser amoroso II

esse amor é essência do que se pode amar. É leve, gratuito e livre. É eterno e urgente; agora, antes e esperança de vir a ser. É chuva, sol, neblina e orvalho. É temporal, enxurrada, estiagem e vendaval. Paira pra não cair em demasia, flutua pra não cair em agonia. É ponte entre o humano e o divino; entre o terreno e o celeste; entre a dor e o prazer. É paixão e calmaria, é coragem e covardia; é alma, corpo, uno e plural. É inferno e paraíso: é o que sou e o ser que quero eterno em mim.

setembro 20, 2008

o ser amoroso

é possível que o amor resulte inútil, é possível que jamais se encontre qualquer relação de propósito na contemplação amorosa ou na ação do amor, mas ama-se ainda assim. Busca-se as chaves das entranhas resguardas, vigiadas e dedica-se minuciosa e ostensivamente ao desvelar desse sentimento métrico e disforme, que a tudo confere sentido e gostos diferentes. Mas à pergunta “quem é o amor?”, abdico da resposta, mesmo porque se pergunto "quem", é por supor ser alguém. Então talvez a melhor pergunta fosse “QUE é amor?” e me convenço de que especulações teóricas desse tipo não atravancam, nem contribuem para o amar, para o ser/ saber-se amado. Por isso entendo o desvelar amoroso, como o desvelar do sentir, do sentimento, como a percepção do que resulta desse ser, e não como compreensão do que ele é. O beijo que arrepia a pele, o olhar compassivo, o gesto que acaricia, o corpo que pulsa, a fala que diz, o atribuir da beleza, tudo resulta, tudo são expressões passíveis de identificação da faculdade de amar ou do amor puro. Não condeno, porém, se um ou outro, ou muitos, ou todos aplicam o conceito de amor a esses instantes vividos, isso não é um mal, pois de fato se não é o amor em si, mas é, sem dúvidas - enraizadas ou fugidias - a forma mais aproximada de reconhecimento disto que nos unge.

setembro 03, 2008

para a flor sem nome

outro dia, pensado nas realidades últimas, reabri o calendário das ilusões perdidas e me pus no exercício de examiná-las sob a ótica da indulgência. Havia escritos sem data, sem pé, sem cabeça, sem corpo, sem corpus, sem categorias, sem referências. Escritos imprecisos, como tudo que se registra em folhas flutuantes, como asas de Ícaro, como flor de Lis. Embora rara, havia consistência em alguns devaneios. Fabriquei memórias que se projetaram numa expectativa futurista, num delírio de tornar-se, de vir-a-ser de novo um presente convicto. Desenhei sorrisos e bocas e pernas e braços e sonhos. Esculpi metáforas e ironias e pus-me a rir da idiotia que se apodera dos que se supõem sanos. Redijo, redigo e represento toda atrocidade despejada e já não a vejo atroz, foi passageira, como a lucidez que re-pensa a realidade posta.

setembro 01, 2008

soneto do dia anterior

sorrisos abertos em flores
como botões orvalhados na manhã
encorajam a mão silenciosa e artesã
a esculpir a face rota dos amores

não há jogos, promessas ou louvores
nada, nenhum porto a ancorar
nem alcova para o corpo acalentar
para aquecer e esquecer os dissabores

nenhum profeta foi anunciado
nenhum novo planeta avistado
nem a velha lua nova apareceu

nenhum vestígio de passagem,
nenhum rastro, nem miragem
nada, ninguém, nem mesmo eu

agosto 22, 2008

conduta

para chegar à cura, intercepte-se a dor, a febre. Vivencie-se a penumbra do quarto e o calor da coberta exigidos pelo corpo, quando não mais se comporta nele mesmo. Para alcançar a cura, suporte-se a insipidez da comida e o amargo da água e que não se esqueça de negociar a ausência nos ambientes de labor. Para buscar a cura, investigue-se os meios e que sejam aceitos, sem contestações, as ervas e venenos; engula-se, sem náuseas, o fármaco que onera o estômago, o fígado e a carteira. Para entender a cura, perceba-se a harmonia prévia à dor que se instalou sem avisos e que não deixará reminiscências. Para querer a cura, reconheça-se a doença sem maquiagem: identifique-a; se há de fato o mal, perceba-o desnecessário, inoportuno. Para querer a cura, desapaixone-se pela penúria.

agosto 13, 2008

"solidão a dois"

e aquela música veio como uma profecia. Profecia no sentido estrito do termo e não como predição de cenário futuro. Profecia no sentido de verdade, essência primeira e última de todas as coisas. E eu lembrei dos teus olhos... e do teu sorriso, que é tão leve e livre. Lembrei da cama e dos lençóis pelo avesso e lembrei do beijo, aquele que sei que nos sabemos. Fez calor e, agora, frio.

agosto 12, 2008

ímpares


por onde começar? Será que existe um ponto de partida? Procuro o esconderijo, a fortaleza, mas parece que tudo está posto, tudo está dado e assim qualquer esforço pode se mostrar inútil.

Um minuto anterior é passado remoto, mesmo se remonto passo a passo parece distante, pois ainda que próximo, condiciona-se inacessível, intocável, imutável. Queria em mim essas características de passado, queria essas atribuições do que foi e não mais será, mas parece que me repito. Replicação exata!

Palavras são aves migratórias e mutantes, ainda que se expressem sob o mesmo fonema. E o amor se transmuta em cada proferir. E a dor se consolida em cada silêncio. Mas não falta nada. Tudo está posto e dado. Só eu que implico na relutância.

agosto 05, 2008

dois lados, um lado


o silêncio é natural aos ouvidos, assim como o som. A escuridão é tão necessária aos olhos quanto a luz. A lágrima e o sorriso se interceptam sem agressões ou constrangimentos, exprimem-se na hora mesma em que a alma reveste-se de dor ou alegria. A desarmonia acontece quando há inversão nos lugares das coisas, quando na hora do silêncio o som insiste em pronunciar-se, quando no momento breu, a luz risca o espaço, quando o sorriso disfarça o que por dentro é só agonia.

Não há ostentação no lírio, seja por sua beleza ou pela sua simplicidade majestosa. Ostenta-se pelo critério humano que lhe atribui o belo, o simples, o imperial. O lírio só se sabe lírio e no sereno ou tempestade mostra-se invariavelmente lírio, não se imagina ou sequer pretende-se rosa ou abacateiro, por isso sua lindeza poética. A beleza de cada coisa vem do que a coisa é. O artifício corrompe, desalinha, denigre o que é completo, o que já veio pronto.

Percebo a cadência do tempo em cada batida do coração, que continua sem se repetir e, feliz, reconheço a engenhosidade que garante com que tudo passe e permaneça. E nesse movimento novo e reiterado aprendo a ver-me por dentro e também por fora, sem esforço, sem intervenção, sem querer encontrar o que não há, admitindo como verdadeiro cada traço, legitimando sem contestação. Não há encanto ou desencanto. Nenhum atributo condiz com a apreciação pura. Nenhum julgamento cabe, basta o reconhecimento de que há faces distintas em um mesmo fenômeno. E vejo que o belo contempla e completa o feio. Pois o que são a beleza e a feiúra, senão momentos reconsiderados de um mesmo olhar, senão molduras díspares de um mesmo pensamento?

Aos poucos, lá fora, o dia engole o pretume de uma noite sem lua e de poucas estrelas. Aqui, aos poucos, a quietude das horas devora o mistério da dor, nessa regência de dois lados, na unicidade dos lados.

julho 31, 2008

o templo


esqueci de lembrar do começo. Talvez fizesse referência aos vitrais da igreja no meio do parque. Pequenina e imponente, jovem para um templo, jovem nesse tempo, mas de paredes contorcidas, contrárias à arquitetura atual, que prima pela retidão dos traços, que se levanta do chão como um espigão querendo tocar o céu, sem desenhos ou cores. Esqueci de lembrar o motivo, que era o começo, mas no início era o verbo.

Esqueci mesmo o que falar e agora já não há o que seja dito sobre os vitrais ou sobre o monumento ou sobre o templo ou sobre a crença ou sobre a fé. O olhar pela janela se tornou o principal recurso de comunicação: mudo, em silêncio agudo, sem medo nem expectativa. Contemplando, sensibilizando meus ouvidos e cada som diz mais que o aparente e mesmo o que silencia fala. Nada parece certo, mas nada está fora do lugar e tudo se harmoniza dentro do que parecia improvável. E aos poucos o beijo vai se tornando doce e a pele se reveste de calor e acolhe, sem perguntas, em completa abstração do que foi ou do que seria.

julho 28, 2008

I wish...

I wish you bluebirds in the spring
To give your heart a song to sing
And then a kiss, but more than this
I wish you love
And in July a lemonade
To cool you in some leafy glade
I wish you health
But more than wealth
I wish you love

My breaking heart and I agree
That you and I could never be
So with my best
My very best
I set you free

I wish you shelter from the storm
A cozy fire to keep you warm
But most of all when snowflakes fall
I wish you love
But most of all when snowflakes fall
I wish you love

albert beach e charles trenet

julho 25, 2008

julho 15, 2008

um olho na escuridão


quando teu olho surge no meio da noite, algo em mim paralisa. E imóvel, prendo-me a esse instante como se fosse o último em que teria a tua imagem. Mas aos poucos os dias amanhecem, um a um. Aos poucos a poeira do caminho vai lavando a tinta que nos marcou nos dias idos, estejam eles próximos ou distantes na folha do calendário. Habilmente, o desejo se controla (ou se redireciona) e traz harmonia às batidas do coração, traz sossego às noites, traz calor às cobertas. É como se tudo se revestisse de calma. E o perfume retorna às flores, a luz retorna ao sol, o brilho, à lua. Embora eu saiba que tudo sempre esteve no seu lugar, embora eu compreenda que o embaraço e a indiferença eram meus. Contudo, o amor não foi transferido de categoria, nem poderia. Apenas reservei um espaço maior em meu peito, pra que ele não se lance contra as paredes, para que não sofra, para que eu não sofra. A calma resulta de aprendizado, que confere controle, que leva à reclusão, que supõe distância, que traz saudade, quase sem dor.

Quando teu olho surge no meio da noite, posso criar quantas histórias eu queira, mas algo em mim paralisa. Recuo, encosto a cabeça, reclino a cadeira e olho o céu, olho a cidade e suas luzes frágeis, diante do clarão desse olho, que me olha e não me vê. Prendo-me a esse instante, como se fosse o último. Perco-me nesse instante, como se fosse o primeiro. Acho-me nesse instante, como se fosse sempre. Abandono esse instante para que seja sempre o mesmo a cada nova vez. Quando teu olho surge no meio da noite, eu não vejo mais nada.

julho 06, 2008

um mesmo olhar

o dia foi incerto, como a noite que o viu nascer. E os instantes que anunciam o novo quadro noturno, que adentra a casa, parecem marcados com os mesmos atributos das últimas 24 horas. Olhos abertos, toda atenção aos movimentos. Sensação de frio que, em geral, se acentua com o som que nasce da chuva, quando as gotas amortecem a queda na folhagem das árvores mais altas e deslizam suaves até o chão, molhando a escuridão. Há olheiras na retina, há cansaço nos pés, há fadiga no peito, mas as flores perfumaram o dia e alegraram o canto dos pássaros, nos curtos momentos em que o sol saiu do silêncio e abraçou o céu. Não busco um perfil ou diagnóstico para esse tempo, apenas pretendo viver cada segundo que se apresenta com a máxima intensidade, como se o futuro não existisse, como se o passado fosse memória de um lugar perdido, sem relação com o agora. Por isso esqueço os sinais da retina e do resto do corpo, e abro o peito para o perfume da rosa que desabrochou naquele segundo de luz e que devorou cada molécula em mim.

O dia foi incerto, mas não quis certezas, quis mesmo esse devaneio, essa utopia de saber-me sendo um arauto de um amor encantado e que se anuncia sutil, por entre gestos e canções.

julho 04, 2008

hoje não é um dia de palavras. Nada que pudesse dizer atingiria a realidade do que em essência nasceu em mim

julho 03, 2008

por trás do som

o que está impresso no verso das palavras polidas parece ser mais denso e doloroso do que aquilo que é posto como estampa nas conversas, em detrimento ao meio em que elas se dão. Não espero nada além daquilo que vem de mim. Esperar do outro é como esperar estrelas cadentes, sugere sorte, mas não se sabe ao certo porque as vimos. E eu me sinto uma pluma, mas plumas embebidas não flutuam e sugerem peso, mesmo quando isso não representam.

As estrelas se movem no escuro e eu as perco no momento exato em que focalizo o breu, ao invés do ponto cintilante. Parece que a lucidez se perde quando chega a noite, parece que as forças minguam quando sopra o vento, e os ossos doem e a pele arrepia e vem o medo do que já se reconhece inofensivo... mas à noite, ah, a noite! A noite entorpece o que é sano e degrada a leveza das coisas. Por isso o vinho, por isso a música, por isso o livro, por isso as pessoas: pra dissipar o nevoeiro que se coloca à frente dos olhos e simula proteger do escuro.

Mas ainda acredito no que é doce e suave e leve. Ainda acredito em mim, ainda acredito que posso voar. Até quando? Até agora, até todo presente que for presente.

junho 27, 2008

por trás das palavras

por trás das palavras tem as letras, não por trás, mas por entre as palavras. Não, também não por entre, através. E se envolvem e se entrelaçam umas às outras, modelando as palavras, construindo-as. A letra é o princípio formador da palavra, que forma o texto, o poema, o soneto, a carta, o livro... e aqui é pretexto. A letra é signo. Um signo é voz em silêncio, é o dizer sem pronúncia. Propaga-se em ondas de luz e de cor. A letra é significado e significante do que é igual e diferente de si mesmo. A letra é o signo da língua, que expressa a linguagem. Meu signo é A e minha língua fez de tua boca morada, nessa linguagem mística que atende por amor e se desfaz em saudade.

junho 21, 2008

pequeno discurso de amor eterno

se afigura tua imagem e muitos pontos estelares brilham felizes. Deve ser assim quando se ama, eu lembro e embora queira mesmo esquecer, o amor é incisivo e permanece. Eu vi um céu cor de chumbo desabar e soube a que se referia. E eu sonhei contigo, acordei contigo e no instante seguinte já havia te perdido outra vez. A chuva me fez companhia no resto da madrugada, irrigando a terra árida do meu peito, esquivo e hostil a sementes de árvores amorosas. Passei a vista perdida em folhas, que mais pareciam carregadas de signos mortos e incompreensíveis. Mas veio o som do telefone, que trouxe susto e uma enxurrada de intuições... A primeira e mais precisa: tua voz aflita, do outro lado, falando de saudade, de amor, de desejo. Esqueci das demais proposições, recusei atender a chamada e dormi com sensação de que você estava ali, velando meu sono.

junho 20, 2008

história pra lua dormir

há dias em que tudo que pretendo ser, supõe-se assim: introspectivo. Resguardo em silêncio uma memória antiga, presente, contudo. Dispõe-se ao lado, imparcial. E um ponto na parede parece o apocalipse diluviano, como uma lagartixa repousada, aguardando o desaviso do besouro. Numa divagação solitária, aguardo paciente o aviso de fumaça que sinalizará ao longe, por trás da colina, a saída fugidia dos guardiões do abismo, enquanto o cão farejador e brincalhão se dispõe a aturar meu mau humor e eu aprendo com isso. E me ensina mais que qualquer bodisatva, talvez exatamente por ser ele o iluminado.

Mas não me ocorre mudar o enredo. Mutilações e lapsos não redirecionam o desejo, mesmo diante do profundo entendimento de que o futuro é a coisa mais inexistente que existe. Nessa compreensão posso errar, o que em absoluto traz transtorno, pois na ocorrência do erro, terá havido convicção. Um erro convicto parece ser melhor que um acerto duvidoso. É certo, porém, que torno ininteligível muitas falas, mas ninguém consegue perceber, a rigor, todos os conceitos relatados, por mais evidentes que se mostrem e isso seria um contra-senso. Às vezes tudo parece óbvio e lá vamos nós acumulando teorias. É como se fosse dado. Esquecemos da leitura das entrelinhas, do olhar apurado naquilo que se projeta difícil. Se assim não for, onde está o fundamento de uma das tantas sentenças cristãs: “Deus escreve certo por linhas tortas”? Linhas tortas, caminho torto, não, eu não acredito na predestinação, nesse determinismo chamado de destino. Ele é alimentado com palavras e gestos e olhares e canções. Nutrimo-lo delicadamente todos os dias e num belo momento, de tão bem cuidado, desabrocha um “futuro”, em realidade presente, com cara de fatalismo. Eu acredito na previsibilidade construída, com um toque de arte daquilo que não reconhecemos nos dias, de tão claro que se mostra.

Sim, é uma outra interpretação, mas pelo menos não tão trivial assim. É como a lagartixa na parede, como o cão farejador, comuns e excêntricos; similares a tantos, únicos no contexto, únicos na história, como a própria história.

junho 15, 2008

o desamor de quem se ama não é parâmetro para nada, move-se em outra dimensão: à margem

nunca deixe que seja tarde demais, por mais que se desconheça se há um tempo tarde. Seja agora, seja hoje, para que o sempre se solidifique, se enraíze e seja cotidiano. Seja um mundo, meu mundo. Seja esse termo que, independente do contexto, implica englobar coisas e situações, onde se denota a totalidade das mesmas. Seja a totalidade do que entendo, do que conceituo como realidade última da vida. Mas, ao que parece, é tarde demais. E não falo da hora no relógio, o tempo não determina se é cedo ou tarde. Pessoas determinam. E, até onde eu saiba, o tempo perdido legitimou passado. É tarde e passou. Passou porque ficou tarde e esquecemos de acender as luzes e seguir de mãos dadas. E quando dei por mim, seguia na penumbra e não havia ninguém ao lado e era tarde pra voltar pelo caminho e saber em que trecho exato, de dia claro, fez-se escuro, fez-se temporal.

Não pretendo aqui afirmar o que é, dizer as coisas como são, mas não posso afirmar algo como sendo, sem ser, isso implica um falso conceito. Por isso não quero dizer que é tarde, pois não sei o que em verdade isso significa. Posso, contudo, me valer do senso comum, que entende como sendo tarde, um lugar de onde não se retorna ao começo dele mesmo. Então, que nunca seja tarde a ponto de não ser possível reconhecer onde se precipitou o início.

O tempo segue num curso indefinido, por vezes breve, por tantas sustenido. As horas não supõem passagem de tempo e ser tarde não significa necessariamente que o tempo está adiante. Não me foi dada a compreensão se ele, o tempo, segue em linha reta, ou gira em torno de mim, dando voltas, projetando e refazendo caminhos com ares de inéditos, sendo os mesmos. Mas entendo que eu passo, mesmo que o tempo permaneça, por isso fica tarde, independente das horas. Entardeci, caiu a tarde em mim e ardi de saudade.

Mas não entendo tarde demais. Abdico do superlativo e contemplo a proximidade do dia que passou e do que virá, tangente ou girando ao meu redor.

junho 09, 2008

o amor de quem se ama não é parâmetro para nada, move-se em outra dimensão: acima, no alto

sentada, com os olhos habitando no infinito e com o peso de uma tarde nos ombros, vou aos poucos esquecendo o que podia dizer, o que permaneceu em meu pensamento e nele mesmo se perdeu. Mas nunca existiu nenhum discurso certo, não seria agora. As palavras escapam e se perdem, mas não sem antes nos atribuírem suas marcas. Eu sei mais hoje do que sabia ontem e, por isso, tudo parece mais cruel, mais feroz, mais desalmado. Pequenas lanças de (in)verdades despercebidas e individualizadas, percorrem oceanos e mares e serras e vales e se encravam no espírito e provocam terremotos de sentimentos difusos e confusos, ali onde toda força se movia para o encontro com a calmaria.

Eu valorizo o silêncio. Entendo que só nele posso reconhecer cada bocejo, cada sopro, cada ai. Eu valorizo a escuridão, porque só nela posso perceber com clareza cada relâmpago que se despeja do alto, cada chama, cada brasa. Eu valorizo a solidão, porque apenas nesse estado de unicidade singular, compreendo a grandeza da presença da luz, do som e da companhia do amor de quem se ama.

maio 30, 2008

o último dia do ano

O último dia do ano

Não é o último dia do tempo.

Outros dias virão

E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.

Beijarás bocas, rasgarás papéis, farás viagens e tantas celebrações de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,

que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,

os irreparáveis uivos

do lobo, na solidão.


O último dia do tempo

não é o último dia de tudo.

Fica sempre uma franja de vida

onde se sentam dois homens.

Um homem e seu contrário,

uma mulher e seu pé,

um corpo e sua memória

um olho e seu brilho,

uma voz e seu eco,

e quem sabe até se Deus...


Recebe com simplicidade este presente do acaso.

Mereceste viver mais um ano.

Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.

Teu pai morreu, teu avô também.

Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,

mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,

e de copo na mão

esperas amanhecer.


O recurso de se embriagar.

O recurso da dança e do grito,

o recurso da bola colorida, o recurso de Kant e da poesia,

todos eles... e nenhum resolve.


Surge a manhã de um novo ano.


As coisas estão limpas, ordenadas.

O corpo gasto renova-se em espuma.

Todos os sentidos alerta funcionam.

A boca está comendo vida.

A boca está entupida de vida.

a vida escorre da boca,

lambuza as mãos, a calçada.

A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.


(carlos drummond de andrade, passagem do ano in a rosa do povo)

sobre a delicadeza das coisas

e tantas vezes se diz, quando o silêncio é a melhor palavra.

maio 28, 2008

interpretação

sem paixão o amor é racional como qualquer outro conceito acadêmico, passível de compreensões vastas e tantas vezes equivocadas. Quem sofre de amor não se incomoda muito com o que se comenta a seu respeito, sobre o que se fomenta, mesmo sem ser de direito. Em geral, vê-se ao largo, põe-se de forma qualquer e se permite ser visto do modo que melhor convir ao observador. Mas admite que se enquadre nos preceitos preconcebidos e reconhecidos como fatos, que não fujam da retórica aparente, que denote controle sobre o que se supõe, sobre o que se diz, sobre o que se crê. Por tantas vezes confundido, esse amor invisível parece ser qualquer coisa e, se assim, é melhor não compreendê-lo. Compreende o que te digo? Não, por favor, não me entenda. Eu sou outra pessoa, cuja paixão impede a leitura clara daquilo que se mostra em linhas inteligíveis. Mas dou dicas, oriento o norte: busque enxergar simplicidade, mesmo quando abuso das alegorias. Meus adereços são metal sem valor e material que se recicla todos os dias, me reciclo todos os dias, mas não para mudar, apenas para retirar a ferrugem que teima em se posicionar nas posturas que adoto como duradouras e se esvaem como o vento.

Eu amo com paixão!

maio 26, 2008

descrição da alma

chorei em bancos de rodoviária, em escadarias de catedrais, em poltronas de cinema, no chão do corredor. Momentos em que te expurgava e te sentia mais dentro, dilacerante. Emudecia e umedecia o rosto, os lábios, as mãos, na ânsia de evaporar-te no instante seguinte. Violei sinais e deixei que o vento revestido de poeira me acertasse, nas viagens por estradas sem destino, a pé, de caminhão, de lotação. Bebi a culpa amarga nos bancos engordurados dos botequins de subúrbio, em companhia da friagem da madrugada, que penetra pelos ossos, congela o sangue, fazendo parar o coração em agonia. Fiz jogos de azar, compus lirismos tão mesmos e tão gastos. Corroí, como as traças, páginas em branco e preto dos sebos das ruas mais antigas, mais nostálgicas. Mudei vestiário, usei maquilagem atroz, querendo ser outra, sendo a mesma, a de antes. Estraguei meus discos, rabisquei meus livros, construí olheiras, escavei rugas. Fiz promessas e perdi a fé, fiz acordos e paguei multas, gastei dias, salários, fiz notas falsas. Assisti a velórios de desconhecidos, comunguei da dor alheia. Desmontei orgulhos, fabriquei torpor. Dormi no sofá, ouvindo músicas de desamores e dissabores. Sonhei com teu rosto e acordei chorando, no escuro da casa, com o som na vitrola, rompendo o silêncio, dando forma a esse estado de agora.

maio 25, 2008

the nude maja

Goya, circa 1800

a margem oposta

ouvi música, por aqui passaram melodias diversas. Li um pouco. Escrevi um pouco. Deitei um pouco. Não dormi. Olhos bem abertos, ora bem fechados, mas o pensamento em vigília. Num longo momento: silêncio, penumbra. De repente, o medo, um medo que trava. Um medo que, ironicamente, se põe à frente do peito, como se para protegê-lo, enquanto o esmaga. Não sei muito o que dizer. Essa fala comedida, quase lenta, posiciona-se de forma desmedida tantas vezes, operando um discurso desconexo. Então, rabisco essa tela. E, neste momento, comedidamente desmedido, elejo desejos, vontades. Queria fitar São Jorge na lua, escrever uma música, fazer um café. Queria ler outro livro, outra página, outro verso. Queria sentir a noite, a brisa, o vento. Queria contar estrelas, pegar uma e oferecê-la e vê-la reluzir em outro espaço. Queria uma mão, uma voz, e, no instante do agora, me desfaço da impessoalidade. Eu, em verdade, te queria. Queria tua paz, teu céu, teu inferno. Queria teu instante, teu momento, teu olhar sorrindo, teu sorriso fitado em mim. Queria o teu gesto, preenchido com teu jeito, ao alcance. Queria tua respiração, calma ou descompassada. Queria teu suspiro, sentir o cheiro desse ar que que habita em ti. Queria teu abraço, lento, sem pressa do fim, sem fim. Queria contemplar teu rosto até ele se perder dentro dos meus olhos.

No entanto, as vontades estão sendo domesticadas. Esse é um momento de travessia, embora não entenda o que significa esse trilhar de um lado a outro, pois imagino que os dois lados são mera convenção, e qualquer ponto poderia ser margem, uma vez que poderia representar partida ou chegada. Mas aqui proponho significação de um lado e de outro: a margem leste, onde disse adeus; a margem oeste, aquela que ainda não alcancei.

E já me desfiz da bússola e tantas vezes percorro noites na direção do começo; em outras vezes não há vento que sopre as velas do barquinho artesanal, cujo material – sonho e dor – sucumbem entre a leveza da pluma e o peso do chumbo. E assim, sem propulsão, sem direção, retorno ao porto de saída, que, sem faróis, desabitado, quase assombrado, ainda é, a sua trilha, o caminho mais familiar que conheço.

maio 22, 2008

endereço certo

eu sei que penso e que problema há nisso? Nenhum, além do fato de ser o pensamento teu rosto pendurado no retrato, que desenha essa dor que é minha, só minha e que dói.

maio 21, 2008

à espera dos dias

um, dois, três, quatro... perdi a conta. Afinal, o que mesmo eu contava? Parecia fim de tarde e, quando dei por mim, era mesmo manhãzinha. Dia novo despontando. Mas dava pra confundir, todo aquele vermelho no céu, bem podiam ser 5 horas vespertinas. Mas não. Ainda bem. Chegava a manhã. Manhã clara, levemente clara. Poesia gentil revolvendo-se à brisa mansa e fria que tenta despertar o corpo, endireitar o pensamento desnorteado. Sem norte, no estrito sentido do termo, e sem sul também. Mas devo dizer que meus pensamentos são de fato nordeste, coisa de raiz, de bairrismo concentrado.

Junto com o despertador, um galo em quintal distante, reafirma o início do dia. A luz se acentua e o céu se desmancha num azul aberto, como se se derramasse sobre o cinza hostil dos edifícios, que compõem esse horizonte urbano. Alarmes de veículos sendo desativados lembram o ranger de porteiras se abrindo. Sim, pode ser uma comparação forçada, feita por analogia de sentido e não pela pertinência dos sinais. Cai bem, contudo, visto que se segue do estouro dos motores, para além das cercas contentoras, só retornando, empoeirados, ao fim do dia. Um, dois, três, quatro carros saem juntos. O sol já se anuncia em calor. O anúncio em luz se fez há um tempo suficiente para contagens e recontagens de coisas desnecessárias e de coisas que não lembro.

Mas esse peso sobre os olhos, essa vontade de noite sobre o corpo, que o empurra para o calor das cobertas, que desconhece qualquer cenário laboral. Desconsidero os sinais, insisto, permito o sono... um, dois, três, quatro... que os dias passem.

maio 20, 2008

seu coração comigo

I carry your heart with me

I carry your heart with me (I carry it in
my heart) I am never without it (anywhere
I go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
I fear
no fate (for you are my fate, my sweet) I want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

I carry your heart (I carry it in my heart)

(e.e.cummings)

maio 18, 2008

abstração do tempo

contar os dias retarda-os, torna-os morosos. A urgência me impele à contagem, compassos de espera. O que mais desejo é que eles acelerem, corram, ultrapassem os sinais vermelhos. Em alguns instantes, desejo que estacionem, que esqueçam o chicotear das horas. Geralmente, esse desejo último se refere à presença do amor atribuído de dotes e qualidades da pessoa em quem esse sentir atualizado se expressa.

O amor é piegas ou coisa que o valha, ou apenas nos deixa assim, explorando universos de canções, que bem poderiam ser doações para coisa amada ou inspirações na coisa amada. Embaraço-me com o que quero dizer, quando tento mostrar isso que não se sabe ao certo, nem se sente certo. Contradigo-me, volto atrás. Usualmente, me utilizo de outros, que apresentam leveza e domínio nesse discurso amoroso. Mas gosto mesmo é de dizer, mesmo assim, mesmo estranho, mesmo um.

Sigo dizendo, sangrando, sem preocupações com qualquer interpretação lingüística que possa ser lançada. Abro mão do debate e ponho-me na introspecção das noites de estrelas miúdas. Abro mão das definições mais puras e arremesso-me ao desembaraço da ignorância, que tão bem se concilia à calma, presumível calma. E nessas horas, convenciono atemporalidade, só nesse estado suprime-se a espera.

maio 16, 2008

fragmentos

como re-unir o que nunca se separou? Nem sempre procuro, mas como haverá revelação se não for lá, se não olhar atentamente? Muito muda ao longo do tempo, muito continua o mesmo. Às vezes criam-se razões para o silêncio e, diga-se de passagem, algumas pessoas fazem isso muito bem: silenciam. Certa vez pensava sobre o que se oferece ao outro, sobre não precisar de respostas. Um “eu te amo” não tem que ser acompanhado por um “eu também”, um “estou com saudade” não supõe o mesmo, por isso não implica retorno. Hoje, eu sinto muito. Sinto porque não se trata de pergunta, conseqüentemente, não se espera resposta. Trata-se de contato, de aproximação, de sintonia. É mais além e, por isso, muito mais óbvio.

Começar é sempre um risco, terminar também. Por isso me proponho a iniciar e terminar, sem mesmo sugerir ritos para cada novo evento. As coisas nascem e morrem e renascem e morrem... e renascem e morrem em si, anagrama de mim. E continuo rompendo conceitos, querendo achar o equilíbrio, mas continuo me mantendo a mesma: prolixa na acepção mais assertiva que se possa conceber. Dizendo sim e, algumas vezes, não. Comovendo-me com poesia, e sendo dura por estupidez. Resquícios da lição aprendida, onde se mostrar sensível é sinônimo de ser fraco e tolo; e isso me faz perder as medidas no que se refere a ser capitão do navio ou apenas mais um a pedir permissão para navegá-lo. Continuo brindando à lua e querendo aprender a rir de mim, como tantas vezes se chora de si mesmo. Se fosse dada à astrologia, diria ser classicamente geminiana, e sou, que não significa ser duplo, mas dual. Alguém que precisa de ar fresco e da luz do sol, como também da noite e de outras estrelas; alguém com coração e intestinos vulneráveis. Alguém que sofre de insônia, face à vulnerabilidade cardíaca. Alguém mutante e mutável, que pode morrer por amor ou por amor matar.

Não acredito que repensar ou remexer situações passadas possam ser de todo úteis. Algumas vezes podem só despertar sentimentos nocivos, como tristeza, mágoa, raiva, rancor; mas penso também que podem clarear alguns horizontes. Não reconhecer, pressupõe conhecer de alguma forma, mas nunca me quis com essa pretensão conhecedora. Contudo, se há um modelo, que não se harmoniza com o que foi predito é possível que o modelo tenha sido trocado ou a predição maculada.

Suponho que achar tudo isso é só mais um mal romântico, como tentar prever e chegar perto, às vezes perto demais, aquela eterna invasão do universo da coisa amada. Talvez tenha que reaprender a amar, refazer teorias, quebrar paradigmas, reinventá-los.

E lá fora, as luzes de mercúrio fingem que combatem a escuridão. São meros pontos luminosos, nessa coisa assombrosa que chamamos noite, nesse mistério guardado pelas estrelas.

maio 14, 2008

sim

como falar de amor para quem personifica o amor? Rezar resolve porque ajuda a passar o tempo, esse mestre desconhecido, embora seja deus a mais unânime justificativa para as coisas que não se consegue explicar, na tão óbvia ignorância dos seres. Mas entendo que deus é necessário, falo desse deus antropomórfico, que impõe suporte aos que nele acreditam. Eu acredito no tempo e rezo pra que ele passe, porque eu te amo. Eu te amo e eu preciso não mais amar.

maio 11, 2008

a noite de um dia

palavras desarticuladas num consenso tupiniquim - de brasileiro mesmo, sem conotação vil ou jocosa - entre o amor e a razão, me fazem pensar se em algum momento eu amo ou amei racionalmente. Eu amo porque essa é a essência última dos seres, porque é divino... Não, acho que amo mesmo sem pensar. Pode ser que o tempo me ajude a transcender e vire essa nau na direção de outro porto mais observador. Por enquanto, amo pelo que sinto nesse estado de confusão dos sentidos. Amo porque pareço maior, cresço em tamanho e cor, ao mesmo tempo em que o peso das coisas escorre através de mim, pois o peso só é percebido se sustentado, se erguido. Permito, ao que se aproxima e se coloca nos ombros, uma transliteração, e todo fardo se transforma em orvalho. Devagar, vou permitindo a impregnação de tudo que é presente, sem esperas. Pois creio que tudo chega, à revelia da ansiedade.

E tudo flui, sem impacto. Tudo atravessa considerando essa linha móvel, que tudo impulsiona, mesmo quando inerte, que tudo ultrapassa, sem transgredir, sem criar nós, sem embaraços. Mas tudo pára, impactado no abraço desses braços e energiza a pele embebida nessa carícia, que sorve através dos poros. E não há razão que proponha elucidação a este encravar de corpo e de alma, que se lança em dança lenta, em calor e frio e arrepio. Tudo pára, menos os braços e pernas e lábios. Tudo pára, mas há voz, que derrama o gozo poético, que, sim, faz meu estilo. Tudo pára, menos os cheiros que se misturam e perfumam a cama, o quarto, a casa. Tudo pára e silencia. E no silêncio a respiração dos corpos, que enlaçados, não se sabem início ou fim por eles mesmos.

maio 08, 2008

do nada

passei vinte minutos absorvida na imagem da página em branco. Passaria mais, esse não é o foco do raciocínio. Uma página em branco sempre sugere possibilidade e isso sempre será a melhor de todas as coisas. Era como se estivesse imersa em um buraco, tentando enxergar olhando para o alto. Havia certo desinteresse em encontrar o que compor a página, havia desinteresse em pensar no desenho. Foi quando ajustei a folha em branco ao conceito de possibilidade. Foi quando lembrei do papel nu que transporta sentimentos e me pus a derramá-los, às vezes metricamente ajustado, outras com displicente cuidado. E derramei versos de amor, canções de dor, segredos antigos, sorrisos de festa, histórias pra dormir, enredos pra se apaixonar. Mas veio outra pausa: o que fazer com o que havia soltado, como tornar sentimentos de uma alma confusa em palavras inteligíveis, factíveis? Era melhor retomar, voltar ao início, recompor os conceitos, usar a borracha e deixar a página em branco se expressar por ela mesma. Mas como tomar de novo posse, como voltar ao que era antes, como percorrer mais uma vez, se já estava tudo lá, mesmo se corrompido pela remoção do seu conjunto de cores?

maio 07, 2008

sobre punhais

todo descuido é uma forma de agressão.

maio 05, 2008

re-leituras

achei que pudesse reler certas coisas e continuar imóvel. Errei. Tudo permanece o mesmo. Tudo é o mesmo, como se nunca tivesse deixado de ser nem por um segundo. Cada palavra se move com a mesma violência e causa o mesmo impacto, que começa quando o coração dispara, atravessa todo o corpo como um raio e se projeta até às extremidades, promovendo tremores nas mãos, que se contorcem na ânsia de aprisionar o amor entre elas e jamais permitir uma fuga, mesmo que supostamente consensual. Achei que eu tivesse aprendido, que eu tivesse conseguido ver imparcialmente, de forma não passional. As releituras mostram algo novo, mas não contrário, mostram a mesma direção. Ao que parece, mais serena, porém mais contundente, mais fiel ao que representa. E não me preocupa se há silêncio, se há ausência, se há medo. Não há certeza e isso também não gera qualquer susto. É como se eu soubesse, mas negasse por proteção ou orgulho.

Às vezes chego perto demais do espelho, mas não vejo o que se mostra ou o que deveria mostrar. Vejo rugas e cabelos brancos e olheiras: sinais do tempo e das noites em vigília e esqueço de fitar a boca que sorri e os olhos que acolhem. Essas são as melhores partes e nunca as reconheço. Recuo e agrido quem se aproxima a um passo, como um cão. Sim, não mordo, mas toda a intenção se reveste de vontade. Penso que é simples e minhas lembranças se projetam naquilo que supunha passado, mas se mostram aqui, na frente, ao alcance.

maio 04, 2008

hoje

Quisera estar nos teus olhos agora
Um minuto que fosse
Apenas isso, não mais
Tocar tuas mãos macias
Roubar-te um beijo
O beijo da vida

Depois te deixaria
E esse deixar não duraria mais que uma lua

Mais que isso a dor não permitiria
A minha dor, saudade tua
Infinda saudade tua, dor minha
O tempo é breve e espera por nós

maio 03, 2008

a tarde como um rio suspenso

e eu já não sei o que pensar nessas horas... é denso, antes fosse inusitado. Se essa é a realidade, o que é a realidade? Onde estão as certezas? O que significa esse movimento, esse ir e vir de opostos, esses contrários que não se anulam?

Houve trovões e relâmpagos, sons e clarões que escaparam de um céu cinza e tumultuado. Era como se eu pudesse me ver por dentro. Mas havia beleza, era como um baile orquestrado, onde a chuva, com seus pés pequenos e delicados, dançava rodopiante na tarde inteira. Houve memória, desatino, pensamento e nele essa estória equivocada e tão clara. Esse jogo de palavras, que permite diversos julgamentos, porém uma única sentença, que declara e encerra a proposição mais íntima de tudo que foi dado como certo. Entendo que percebo o certo apenas como condição própria das coisas que evoluem com a cara da reticência, da incerteza, do não eternamente crível.

É certo que não sei o que pensar, mas me desfaço dessa necessidade de gerar pensamentos e me entrego à beleza sutil de sentir. E elejo um sentido. Fecho os olhos, nego a luz. Ensurdeço e calo. Negligencio o toque. E sinto teu cheiro, que é a melhor coisa que penetra no reino dos meus sentidos, transforma-se em sentimento. E o meu amor é só perfume.

maio 01, 2008

maio

não há como esconder o óbvio, ao mesmo tempo ele é sempre mais difícil de ser enxergado. Provavelmente se morássemos no fundo do mar, a última coisa da qual nos daríamos conta seria a água. A práxis leva ao mecanicismo, que desbota a cor das coisas, que paralisa o movimento, que emudece a fala. Mesmo que os tons, a cinética e a voz permaneçam, fica tudo tão impregnado do mesmo, que desaparece, como mágica. Torna-se invisível, indizível, quase como se não estivesse lá. Por isso os olhos atentos. Quero perceber cada detalhe da mesma cena que se projete dia após dia. Quero ver como nova, cada paisagem antiga. Quero reconhecer novas harmonias em cada velha canção, que já nem toque no rádio e que se apresente sem a limpidez polida dos sons digitais, que venha com o ruído da agulha no vinil, que me desperte para o que não parece inédito, para que eu possa me apaixonar a cada instante pela mesma idéia, pelo não-outro, para ver o novo, no que já é conhecido.

Não há como esconder o óbvio que existe em mim, não há como re-mover o que já impregnou o que reconheço como sendo eu. Por isso você não me vê, mesmo assim, mesmo perto, mesmo maio.

abril 29, 2008



a saudade é presente e viva e tem a cor dos teus olhos. A saudade é hoje, é agora. A saudade é o que sou, pois sou o que sinto, o que não sou é insensível e longe, inexiste! E só me sinto sendo pra ti, só me sinto sendo-te! Que seja breve!


abril 27, 2008

rua do caminho sem fim

outro dia pensei sobre a brevidade das coisas. Pensei nas ruas que percorri com pés pequenos, passo miúdo, em tempos bem anteriores. Pensei em quantas vezes sentei embaixo de árvores sem me dar conta disso, era tão natural, tão sem propósito. Foi nesse cenário que folheei meus primeiros livros de uma coleção de literatura infantil, que uma irmã comprara de um livreiro ambulante. Eu os li e reli tantas vezes, que já não precisava olhar para as páginas. Eram poucos títulos: um falava sobre um indiozinho amazonas, outro sobre a viagem desse indiozinho pelo Brasil e um outro de um pequeno bandeirante... era quase um curso de história do Brasil, vejo assim agora. Depois vieram gibis e outra coleção infantil. Depois Cecília Meireles e Drummond e Augusto dos Anjos e Florbela Espanca e Vinícius de Moraes e José Lins do Rego e João Cabral de Melo Neto e Mário de Andrade e Manuel Bandeira e foram e são tantos... e veio Maiakóvski e Clarice e veio o que sou, o que me tornei, o que me transformo a cada dia, breve, levemente breve, como as coisas.

Os dias eram longos e os anos intermináveis. Não havia tanta pressa. E me pergunto se aquela casa de janelas azuis, que se abriam em varandas, ainda existe, se abriga alguém. Lembro do Leão, fiel cão vigia. Lembro-me onde foi sepultado. Lembro da quantidade admirável de canários amarelinhos que pousavam despreocupados pelas árvores, pelo telhado, na antena, na cerca que me separava do mundo lá fora, esse mundo de agora.

abril 25, 2008

delírios e delícias*


falo muito sobre o amor, falo muito sobre a verdade, sobre o que conheço por verdade, sobre o conhecimento que caracterizo como potencialmente verdadeiro. Tenho conceitos próprios, ora duradouros, ora efêmeros. Falo o que convém, mesmo quando não conveniente e às vezes silencio. E falar sobre essas coisas leva, necessariamente, ao discurso sobre desamor, sobre mentiras e não-verdades, que as suponho, estas últimas, categorias completamente distintas. Por exemplo: tenho relegado, rejeitado o amor erótico, o amor romântico, mas em absoluto, essas opiniões metaforizadas significam que eu não deseje esse amor assim editado. Então supor o amor falível e desejá-lo eterno, não implica aversão ou contradição. Entendo como uma verdade ou não-verdade inconstantes, mas não uma mentira.

Talvez sejam delírios de desamor, não se trata de rancor. Essas coisas andam separadas. Nesse aspecto, concordo com Freud, que afirma ser defesa o sistema delirante. Por isso me sinto mais leve, exceto naqueles momentos em que meu delírio de boa companheira é esmagado na parede, com suposições mesquinhas. E essa característica classificatória, própria do que se diz humano, é em mim muito sintomática. Se classifico e atribuo categorias às coisas é apenas para melhor compreendê-las. Faço uso exagerado da conceituação e categorização de termos, através desse meio sistemático de comunicar idéias e sentimentos, utilizando signos convencionais e que denominamos linguagem. Abuso da linguagem gráfica, mas percebo que desemboco em teorias antigas, de autoria própria, inclusive.

Mas quero me ater às delícias dos dias. Quero falar sobre o doce-azedo do umbu, sobre o frescor da água, em meio à tarde ensolarada; quero falar sobre o combate lingüístico em discursos acadêmicos (que põem em dúvida nossas convicções mais antigas); quero falar sobre a chuva que tem refrescado as madrugadas; quero falar da palavra em voz comovida que me foi lançada outro dia; quero falar de tons claros, como rosa, azul, branco, amarelo; quero falar sobre o amargo atraente da rúcula, que enfeita e impregna de sabor as refeições; quero falar do frio e do doce do sorvete de manga; quero falar sobre o vento que assanha meus cabelos; quero falar das mãos que dão carinho sem esperar retorno; quero falar da música que promove flutuações; quero falar da luz que rompe a noite e da escuridão que adormece o dia; quero falar sobre pombos que fizeram seu ninho em minha janela e me acordam com seus sons gorjeantes; quero falar de borboletas e nuvens; quero falar de outono; quero falar das presenças diárias e gratuitas; quero falar da paciência e ternura dos amigos; quero falar do teu jeito manso e delicado de dizer as coisas, que tem me feito pensar nas paisagens mais lindas, que tem me feito acreditar e querer classificar o amor, o desamor, as verdades e não-verdades dentro de outras categorias, mais leves, mesmo que transitórias.


*
pegando emprestado e adaptando o título de um disco de simone bittencourt de oliveira, da década de oitenta, precisamente, de 1983

abril 24, 2008

achismo

posso falar de dor, de amor, de rancor, de dissabor, de louvor, de calor, de rubor, de sensor, de detector, de tremor de terra e de mãos, mas não posso falar de ti. Como alguém pode inexistir de forma tão categórica na vida de outro?

E o que me importa descrever tantos adjetivos de amor, elaborar tantas definições, se nenhuma delas foram suficientemente graves para que continuasses a me olhar? Na verdade, nada te faria me olhar de novo. A propósito, alguma vez olhaste só para mim, fui teu alvo único ao menos por um pequeno instante? Porque eu sei que não fui o que sendo, disse-te que seria. Não me apresentei em gesto o que em demasia me expus em palavras. Culpo essa introspecção expansiva, própria de quem, em essência, se constitui duplo. Mas sou isso que sangra em verbetes equivocados e inexpressivos, coerentes com a dificuldade de dizer o que grita na mais remota profundidade do que sou. Sou a dor maculada em riso e bons modos. Sou o afeto, revestido em apego. Sou o olho que cega na busca da luz antes nele refletida. Sou o canto de amor que brota da chuva quando pisa no telhado. Sou a carícia da gota, quando resfria a pele que queima pela saudade. Sou quem te ama e assim me reconheço.

Então, silêncio. Acalma esse teu coração impulsivo, esse desejo de dizer coisas que já não interessam à tua platéia, aos teus ouvintes. Aos poucos, o tecido pesado e denso que formava tua cortina, foi sofrendo pela ação do tempo, desgastou-se, rompeu-se e te vimos sem maquiagem, sem fantasia, no camarim, só. Numa mão uma taça de champanhe barato, na outra, restos de ilusões escritos às pressas em guardanapos de bares e botequins, onde transgredias as madrugadas.

Silêncio. Não há nem mesmo lágrima, nem sorriso, nem aplausos. Assume essa face plastificada pela dor e desencanto por não ser, por não ter sido, por não poder mais ser. Faz uma prece. Pede calma, pede paciência, mas não fala. Não diga o que já não convence. Não encena outra vez esse texto retocado, remendado, mas com a mesma intenção desalinhada de dissuadir corações puros, de fisgá-los e prendê-los na tua toca de fera comovida.

Cala-te. Não cogites repetir. Já há tanta insanidade dispersa, não contribuas ainda mais. Faz silêncio, ouve apenas o que não precisa de palavras, ouve o que vem de ti, ouve além do que foi estabelecido como certo, como fim, como norma, como pronto. Ouve além dos teus achismos veementes.

E o que me importa descrever tantos adjetivos de dor?

abril 19, 2008

cuidado de lua (não falo de cuidado possuidor de fases)

a lua me acertou. Branca, cheia, flutuante, inconstante. Lá por cima, através do telhado, através das lacunas das janelas, transpassa seus tons noturnos, transpassa meus sentimentos soturnos. Sinto-me assim, como um náufrago que oscila entre a embarcação e o cais, e emprega as suas últimas energias para derramar um olhar solitário e contemplativo na direção dessa bola celeste e inebriante. Imersa em livros e folhas, sem compreender a fala das letras, nem a voz da tinta, apenas direciono os olhos à janela entreaberta e me permito o arrebatamento. Idealizo esse crime a mim mesma, que consiste em maltratar um coração que se esforça em alcançar a margem segura desse mar sem fim da dúvida e do tormento.

Esquivo-me à ponderação sobre o ato de pensar em ti, num dia com noite de lua cheia. Sei dos riscos e rio deles, já não me causam aquela dor áspera, que se movia com rapidez tal, que em segundos todo corpo se contorcia em agonia súbita. Hoje ela é lenta e suportável e quase feliz, precipita-se em vida. Dor é vida, é sensação que demanda cuidado, proteção. E lembro das pessoas que estão por perto, que não se permitem ficar ao largo, só porque em alguns momentos, nossos discursos são tão os mesmos, são franca ecolalia e, à revelia do inédito, nos ouvem. Isso é cuidado. Por isso a lua não me machuca, apesar de me acertar, ela me ouve, ela sabe, ela me olha e se abre em brilho.

abril 18, 2008

o cego e o amor ou sobre a cegueira de ambos

O amor é cego e ainda assim não consegue ver com clareza as coisas e isso não é um equívoco de fala. Pessoas que apresentam alguma disfunção visual são mais perceptivas e sensíveis, conseguem enxergar com limpidez e profundidade não comuns à maioria das pessoas com olhos sãos. Mas o amor é cego, condicionado, limitado, superficial, desprovido dos atributos comuns à cegueira. Não o amor-amor, mas esse amor que aprendemos a sentir e nomeá-lo de eterno e verdadeiro, ao mesmo tempo em que está preso a amarras mesquinhas, a dogmas superados. Amor de novela: difícil e fatigante por toda a vida, que se decide num final feliz, que só terá dado certo se existir um final feliz. Contraditório! Supor um final não significaria término? Onde fica o eterno? Que verdade está implicada nesse caleidoscópio de conceitos assimétricos, que buscam harmonia? O eterno está fora do tempo, não há princípio ou fim, nem marcação transversal. Talvez o amor seja o princípio, talvez seja o fim (leia-se finalidade), não sendo possível as duas propriedades, são excludentes, por isso vejo maior praticidade em compreendê-lo eterno. Eis que se lança outro impasse. Seres temporais, somos isso. Não visualizo o temporal detendo o eterno.

Mas não se trata de amargo ou peso desabrochados de mim. Hoje o dia está claro e leve e fresco e com cheiro doce de flor de primavera em manhã de domingo, e essas qualidades todas se refletem em cada gota do que sou, ou ainda posso crer que cada luz do dia seja reflexo da beleza que amanheceu em minha alma. Mas falo da alma como coisa originante, como parte de tudo, como primórdio e não como coisa esvoaçante, que pula de corpo em corpo, até um abrigo derradeiro, fora do corpo.

E já não me importa se esta é só mais uma teoria sobre a mutação rítmica do amor em meu pensamento. Ontem eu te amava, hoje sou quase o amor eternizado, hoje sou quase perfeição.

E o dia brilha. Lá fora e aqui dentro, no peito!

abril 13, 2008

pergunta atemporal

Perdi meu prumo
Ontem e hoje são iguais
Rezas e cantos não me acalmam

Qualquer coisa traz tua imagem
Unica e serena
Em partes, em minúcias, sempre inteira

Vivo imaginando teu olhar
Onde ele fita, quem olha?
Cadê aquela luz que me iluminava
Em direção qualquer que marchasse

Nenhuma canção é tão linda
Aguas cantarolantes não são mais belas
Orações e hinos, nada é como tua voz

Voz que me enternecia
Olhos que me acalmavam
Lábios que me envolviam
Tez que me aquecia
Aonde moram
?

os ombros suportam o mundo

chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


(carlos drummond de andrade in sentimento do mundo)

abril 06, 2008

domingo

solidão não é casa vazia, nem telefone mudo, nem silêncio. Solidão é ausência, é a percepção da falta. A solidão segue o padrão "slippery slope", onde um evento piora o outro. Escorregadia, não se prende em um ponto que possibilite ser extirpada. Mutante pela causa, a mesma pelo efeito de dor. Então, eu espero...

Eu espero
Acontecimentos
Só que quando anoitece
É festa no outro apartamento

Todo amor
Vale o quanto brilha
E o meu brilhava
E brilha de jóia e de fantasia

O que é que há com nós dois, amor?
Me responda depois
Me diz por onde você me prende
Por onde foge
E o que pretende de mim

Era fácil
Nem dá pra esquecer
E eu nem sabia
Como era feliz de ter você

Como pode
Queimar nosso filme
Um longe do outro
Morrendo de tédio e de ciúmes...


(marina lima e antônio cícero - acontecimentos)

abril 04, 2008

ela olhava pra mim

ela olhava para mim descontraída, como passarinho em manhã de primavera. Ela me olhava contente, como contente é o canto do pintassilgo no alto da goiabeira, vendo o sol despontar ao longe. Não há nenhum tratado pintassilguês que já tenha demonstrado as razões do cantarolar desse pequeno morador dos céus, quando a primavera acontece em uma flor. Já no meu tratado de pretensões presumíveis, eu buscava descrever os motivos daquele contentamento descontraído, que se jogava em minha direção.

Ela olhava pra mim atentamente, como borboleta amarela ao primeiro sinal de roseira se abrindo em cor. Na ciência borbolética, não se explica, muito menos se deseja explicar essa atenção, ela é atenta e fim. Na minha alucinação concebida, buscava identificar que sinal emitia para captar essa admiração.

Ela olhava pra mim com ternura, como é a chuva que afaga os telhados, na madrugadinha sertaneja. Dentro da sociologia das águas, não há discurso que aponte o motivo dessas carícias em forma de lágrima, na pele ressequida do agreste telhado. Na minha filosofia rupestre, me dediquei a questionar as razões das ondas de carinho terno que me tocavam.

Ela olhava pra mim com desejo, como o cão deseja a volta do seu dono e faz a mesma festa, estando ele ausente há 10 minutos ou há 24 horas. Ela me olhava assim e eu permaneci imóvel, com medo que aquilo me quebrasse, me partisse ao meio. Ela me olhava desse jeitinho: contente, descontraída, atenta, terna, desejosa. E eu a chamei de azul e eu também a olhava, admirava, guardava, protegia e me encantava. Mas num dia desses qualquer (pois não importa saber o dia que ela deixou de me olhar), eu a percebi distraída. Ela ainda me olhava, é certo, mas sem muita convicção, sem muito entusiasmo. Eu que sempre propus definições, achei que fosse resultado do cinza inverneiro (era inverno? Não sei!). Mas persistiu e eu quase não a sentia me olhando. Ela olhava, mas me transpassava, via além. Alguém? Eu não sei, mas sei que ela quis saber o que estava lá, onde se fixava o seu olhar. E olhou e viu algo e não mais voltou a me olhar daquele jeito, que não pude perceber em nenhuma outra que tenha me olhado algum dia.

Às vezes paro diante do espelho para captar a sensação de olhos em minha direção. E lembro que eu quis entender quando sentir era suficiente, mas eu senti e muito e sinto ainda o impacto daquela luz. Às vezes penso que aquele olhar não perdeu nenhum de seus atributos e apenas foi desviado, interrompido. Bloqueio e boicoto essa idéia. Não é possível quase nada se eu supor que em algum momento eu teria de novo ela olhando pra mim. Então eu fecho os olhos e abro a porta e penso que sou livre e vou ver o mar, que não tem a cor dos olhos dela, mas me inunda, me causa qualquer sensação de calma, que se desvela pela água que sai dos olhos e se confunde com a onda verde-azul que fui buscar.

março 26, 2008

teoria das entrelinhas

carinho de maré é lua cheia e despretensão é sempre um discurso contundente, quando o assunto é o olhar do outro. Soa mais poético, romanesco, há uma certa admiração ingênua. Não há qualquer tipo de prerrogativa, não há qualquer tipo de intervenção, não visível ao menos. Constrói-se no fluir calmo das ondas remadas pelo vento. Começa como tudo que se planeja mitificar para engrandecer: ao acaso, mas considerando um caminho desde sempre posto, esperando o seguir; afinidades antigas, olhares reconhecíveis ao longo das eras, vínculos da idade do calendário. Como em toda boa história de relações amorosas, graceja-se essa casualidade, permeada por uma atemporalidade, que eterniza o momento e admite-a como verdade inquestionável, rejeitando-se a negativa contradita de que se pretendia ser.

E posso olhar nos olhos, posso sugerir qualquer outro roteiro, nenhum será significante, nenhum pousará tão perfeito, quanto o que se põe sem o desejo criador prévio, sem a idéia que principia. Mas pelo menos fica a teoria subentendida, essa coisa de argüir, suspensa em meu comportamento insensato, inoportuno, desmitologizante, quase inquisidor. Contudo não pretendo respostas. Sou também despretensiosa nos meus rodeios, quase imperceptível. E não espero, em absoluto, provocar qualquer efeito, não aspiro ser causa. Mas não posso negar que minha retórica sim é desprovida de qualquer manha astuciosa, reafirmo sua ingenuidade. Ela foi pensada apenas no sentido de suavizar as armadilhas postas, quem dera, pelo destino.

março 21, 2008

a dualidade do que é uno

articular verbos sobre o amor vem do desamor. Essa certeza é posta, porque é preciso pensar sobre o que se escreve e é no desamor, somente nele, que conseguimos o distanciamento necessário para argumentar, desenhar e desdenhar do amor. Quando há amor, sente-se apenas, sem pensares. Suponho ser essa a razão para o que eu escrevo agora: poder pensar sobre o amor, na ausência do cenário amoroso. Quando há amor, não há julgamento. O que poderia ser julgado? Para o amante, o amor é dogmático. Mas não nego o sem-fim de verdades dogmáticas impregnadas na escrita sobre o amor não-amante, que as tenho inclusive. No amor, a maior verdade é que não há fim; no desamor, sabe-se e é certo que tudo acaba. No amor, a liberdade só tem fundamento se houver prisão no peito amado; no desamor, a regra está na destituição das amarras. No amor, quebra-se o paradigma da imperfeição humana, o outro se torna um deus de serenidade, brandura, compreensão, carinho, doação; no desamor, reconhecem-se as caricaturas sobrepostas, as qualidades maquiadas.

Não é possível qualquer debate acerca do amor entre o amante e o não-amante. Há desconexão de discurso, há conflito, resistência, perturbação, adversidade. Por isso sempre rememoro com espanto minhas bases conceituais amorosas, nos distintos períodos em que me ponho como amante ou não-amante, como quem sente ou como quem pensa. Contradizeres se despejam em abundância.

Isso me alegra, contudo. Reafirma a transitoriedade das coisas diante do tempo, esse senhor indefinido e inacabado. A propósito, qual o seu significado? De onde vem, onde deságua? Onde se esconde tamanha engenhosidade mutante que se expressa em mim? Como acelera os dias em que há amor, sem dar a perceber no relógio e como os torna tão morosos, tão hostis em dias como hoje? Diante do tempo, todo amor se torna emblemático. Seja pensado ou sentido, traz em si a angústia de ser e não ser dentro de um mesmo instante; traz a dor da saudade, que se alimenta tão macrobioticamente das horas; explicita o rosto amado-desamado, que se desdobra em riso ou lágrima. Nesse tempo de agora, percorro a tênue faixa que intercala esses dois lados de amor e desamor, carregando todas os dogmas, justificando todas as causas, sentindo todos os efeitos.

março 18, 2008

sobre a palavra

tenho especial atração pela palavra. A palavra cantada, escrita, dita, me causa encantamento. Mas gosto sobretudo do jeito como se diz a palavra. Gosto de ouvir cada letra no seu tempo, com a força que lhe couber no instante da pronúncia. Gosto da palavra que sai da boca após reflexão, como gosto da que escapa sem aviso e nos impregna de léxicos. É vital, no entanto, para os ouvidos o dizer apurado, a modulação do som, que confere cuidados com a palavra, respeito com o que pode constituir um significado, mesmo quando sozinha, operando o seu livre-conceito.

Tenho interesse na beleza que esses sons articulados produzem, quando exprimem idéias. A palavra, quando dita, pode ser uma carícia espalhada pelo vento, que penetrando pelos ouvidos, acaricia todo o corpo. A palavra é dádiva que jamais retorna à fonte originante no mesmo formato. Uma vez pronunciada, não poderá ser capturada, armazenada, escondida, pertencerá a quem ouvi-la. Por isso a importância do bem-dizer, existe apenas uma oportunidade de proferir o som e manifestar uma significação. Mesmo que repetida, jamais expressará o que a pronúncia anterior sugeriu.

A palavra é texto, pretexto e contexto. Acompanha-nos mesmo quando silenciosa, mesmo quando emudecida. A palavra não precisa de alto-falantes, ela pode ser sussurrada e gerar mais deslumbramento que se lançada em tons maiores, mais graves, ostensivos. Na verdade, em mim, gera mais impacto quando assim, murmurada.

Gosto da articulação da boca, do movimento dos lábios, de como os olhos acompanham o dizer, ligados por uma relação de pertinência, como a harmonia de uma orquestra sinfônica. Gosto de como as mãos regem e acompanham e se intercalam entre os sons e os gestos. Encanta-me quando se inverte a fala, enaltecendo a palavra, ainda que para ter um sentido mesmo, mas que vai despertar a atenção pela possibilidade de se produzir o novo, com o que é comum.

Gosto de como se diz. Então, que sejam ditas todas as palavras. Articulem-nas em meus ouvidos. Contem histórias, cuidando de cada uma delas, das palavras, de tal forma que transcendam as noções óbvias, captadas pelo sentido natural da audição e ressoem como cantorias e sejam percebidas pela alma.

março 15, 2008

o amor pelo avesso

existem coisas que não se explicam mais tão facilmente. Preciso formar conceitos que correlacionem o princípio ao que se precipita em fim. Preciso aprender a ver como passado o que me acostumei a ter como presente. Evidentemente, essa não é uma tarefa das mais fáceis. Apegos, carências, hábitos, memórias, enfim, todos os nomes atribuídos ao amor, quando o tempo hábil de sua existência se perdeu em algum lugar-comum das palavras descuidadas pelo cotidiano, precisam ser extirpados. Precisa-se de tempo e disciplina, de vontades e certezas, mas sobretudo de ternura, sutileza, delicadeza, sobrepostos por uma certa ingenuidade, que garantam a veracidade da busca pelo esquecimento, mesmo que contemplativo, uma vez que, embora inadjetivado, esse amor permanece.

março 12, 2008

temática do desespero

em minha vida os acontecimentos parecem, às vezes, trens descarrilhados, desgovernados. Os sonhos são plantados sem planejamento, com cuidado contudo, pensados e organizados numa lógica, que se torna irrelevante no momento mesmo em que eles são gerados.

A imaginação relativiza qualquer medida que pareça afastamento. Sempre foi assim. Conjecturo as mais estranhas formas de justificativas, para manter a chama ardente acesa. Pode ser que não resolva, de certo não resolverá, mas parece bom e traz leveza, mesmo que momentânea. Pareço-me a mesma, mas ao redor tudo tomou nova forma, tudo se pintou ou descoloriu e me perco na tarefa de compreender em que país de Alice às avessas fui remetida. Não adiantam cartões postais, nem poesia em branco e preto, nem mensagem multimídia, nem telefonema à meia-noite, nem email descontraído... perdi os códigos de acesso e suponho que tentar uma segunda vez poderá fazer bloquear o próprio instrumento de remessa: medida preventiva!

Então a insônia tornou-se substrato de amor recôndito. Apenas as olheiras testemunham-no. Talvez o morcego angelista também possa atestar esse sentimento desmedido, explosivo, como trem descompassado e que meu peito teima em dominar, em embalar, para que adormeça, para que caia em sono profundo e se esqueça.

março 10, 2008

se eu soubesse

como poderia expressar o que a boca nega, teima em esconder, em manter silêncio, em exercer comedimento? Cada pensamento e o coração sobressalta-se. Pancadas na porta ou seria o peito desavisado?

Procuro não desalinhar as idéias: 'métrica, rima e nunca dor', mas se eu tivesse conseguido dizer a tempo, se tua paciência não fosse tão objetiva, se eu não me perdesse com as palavras, se o meu gesto fosse mais livre? Se eu não caminhasse pelo caminho mais longo, se não fosse certo que creio no que acredito, se eu não fosse maio e você, verão...

E entendo que ser vítima de mim mesma, torna-me mais cruel que ser tirana de um país. Ocultei a lógica e me dediquei à magia, pus-me a mitificar, a atribuir justificativas, quando tudo era óbvio, real e posto, tudo dado em sorriso de olhos e boca. Tudo aqui, ao lado e eu feito louca, enxergando outra dimensão de pecados e medos. Como pude não saber, como pude não dizer, como pude acreditar que não era preciso? Por que fiz tão difícil o ir, por que me preocupar em como chegar, se deveria apenas desenhar a estrada, o ir-me a ti?

E lembro a doçura do teu corpo, a leveza da tua voz, a meiguice das tuas palavras, a cumplicidade do teu olhar. Naufrago em lembranças de uma história que não aconteceu, que adormeceu em rascunho, que se perdeu por inabilidade em saber-me te amando, em saber-te a me amar.

escrito após ser impactada pela bela canção if you knew, por nina simone

março 06, 2008

dias sim, outros também

ainda bem que a minha consciência me permite distanciamento, abstração, heterogeneidade. Não sou a única pessoa do mundo, mas sou a única a ser eu mesma. Sou o que se pode chamar de inédito e ainda assim ser possível ser novo de novo todos os dias, como o sol que toda manhã surge o mesmo, mas sem impressão similar antes. Ainda que o figurino se mantenha, ainda que o pensamento ordinário se eternize, se solidifique, todo o resto é névoa mutante. Mesmo que me enraíze e creia-me imparcial ao tempo, há de chegar o momento em que, com espanto, será dito, talvez com descompassada ironia: tudo está diferente, sendo o mesmo. E é essa conjunção de dois lados ímpares que me permite de dentro ver todo o mundo de fora, ao mesmo tempo em que o mundo de fora, mesmo sem me enxergar por dentro, promove as mudanças que levarão meus olhos a ver tudo com novas cores.

O presente é um suspiro apressado entre dois momentos inatingíveis, quiçá inexistentes. Por isso o doce e amargo da compreensão do que é, a droga que cura e envenena: É! e neste exato momento em que termino estas palavras, foi! Ainda bem que tenho memória consciente que me permite esquecer o que foi e não devia, projetar o que não será e eu queria.

março 03, 2008

tratados e armadilhas

zumbido de abelhas estraçalhando o silêncio flutuante do passado. 'Vamos, acorde! O padre já vai celebrar a missa...' 'Que missa? Hoje nem é domingo!' Conto de fadas nordestino: a mocinha em seu vestido rosa-flor, com perfume de laranjeira e duas tranças no cabelo, presas por fitas brancas de cetim. Na memória, encontro marcado: missa matinal, na capela da cidade. As palavras do sacerdote terão conotações várias, e ela se colocará na posição de obediência aos ritos, de risos sobre os ritos, até o momento em que haverá ausência absoluta da percepção da voz do vigário.

O amor é igual em qualquer contexto. Na balada da cidade grande; no bailinho da cidadela esquecida entre os montes; nos bares, que acolhem segredos de fins de tarde; nas calçadas das cidades históricas; nos shoppings climatizados e hostis; nos consultórios de psicoterapia; nas salas de aulas infindáveis; nos leitos hospitalares; no silêncio dos museus; nas salas de projeção; nos quartos de penumbras e sussurros. Desmerece traduções, desconsidera interpretações. Diga-se amor e eis que se formulam tratados. Iguais em essência, repetitivos e trágicos.

Esse amor passa zombeteiro por mim. Acena-me ao longe. Acho que por descrevê-lo, se pôs arrogante e auto-suficiente, magoou-se, revolveu-se em sua vida sumária e efêmera, eterna apenas por ocupar almas que se sucedem e se continuam, num ciclo sem fim. Esse amor me golpeia. Não sei vivê-lo. Quando entendo ser um bom momento, ele se despede e busca outro aconchego. Esse amor é igual em qualquer contexto, mas passível de adestramento. Se reconhecido pelos que o acolhem, disse-me deixar de bancar o filho pródigo.

Mas esse zumbido me desperta, ao mesmo tempo em que faz adormecer a mocinha em seu vestido rodado, cor rosa-flor. Ela vive em plenitude. Ela ama, eu verbalizo.

março 02, 2008

filosofia do amor em mim

diga-se que passei horas pensando numa mesma coisa, por todos os ângulos, por todos os lados, por dentro. Depois tranquei as imagens num cofre onde não se pode achar. Agora sou esse vazio inacabado pelo próximo enredo, que ainda não veio.

E você me diz que não é insistência, mesmo vindo de sua retórica meus piores hábitos. E você me atira,
despretensiosamente, proposições que desencaixotam as imagens lacradas, as perguntas sacralizadas pelo voto de silêncio, removem-se e tentam escapar pela boca. E entendo a irônica pergunta feita a Tales, quando este despencou em um buraco, por olhar para o alto, para o céu. Nunca é possível olhar tudo, ao mesmo tempo, mas escolhemos o alvo, escolhemos o jeito. Admiramos, contemplamos e nos permitimos afetar. Direcionamos os sentidos para aquilo que tentamos entender, para aquilo que desperta o desejo de ver de perto. Às vezes com espanto, outras com temor, umas com alegria, outras vezes com cuidado, em tantas com frouxo descuido... independente da aflição que me preenchia, era você o céu. E agora não sei como me resgatar deste abismo que, descuidadosamente, me fiz submergir.