julho 15, 2008

um olho na escuridão


quando teu olho surge no meio da noite, algo em mim paralisa. E imóvel, prendo-me a esse instante como se fosse o último em que teria a tua imagem. Mas aos poucos os dias amanhecem, um a um. Aos poucos a poeira do caminho vai lavando a tinta que nos marcou nos dias idos, estejam eles próximos ou distantes na folha do calendário. Habilmente, o desejo se controla (ou se redireciona) e traz harmonia às batidas do coração, traz sossego às noites, traz calor às cobertas. É como se tudo se revestisse de calma. E o perfume retorna às flores, a luz retorna ao sol, o brilho, à lua. Embora eu saiba que tudo sempre esteve no seu lugar, embora eu compreenda que o embaraço e a indiferença eram meus. Contudo, o amor não foi transferido de categoria, nem poderia. Apenas reservei um espaço maior em meu peito, pra que ele não se lance contra as paredes, para que não sofra, para que eu não sofra. A calma resulta de aprendizado, que confere controle, que leva à reclusão, que supõe distância, que traz saudade, quase sem dor.

Quando teu olho surge no meio da noite, posso criar quantas histórias eu queira, mas algo em mim paralisa. Recuo, encosto a cabeça, reclino a cadeira e olho o céu, olho a cidade e suas luzes frágeis, diante do clarão desse olho, que me olha e não me vê. Prendo-me a esse instante, como se fosse o último. Perco-me nesse instante, como se fosse o primeiro. Acho-me nesse instante, como se fosse sempre. Abandono esse instante para que seja sempre o mesmo a cada nova vez. Quando teu olho surge no meio da noite, eu não vejo mais nada.

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