junho 29, 2012

Tantas coisas começam por acaso e terminam como um jogo, suponho que você achou graça de encontrar o desenho ao lado do seu, você atribuiu a uma coincidência ou a um capricho e só na segunda vez se deu conta de que era intencional e então você o olhou devagar, inclusive voltou mais tarde para olhá-lo de novo, tomando as precauções de sempre: a rua em seu momento mais solitário, nenhuma viatura nas esquinas próximas, aproximar-se com indiferença e nunca fitar os graffiti de frente, mas da outra calçada, ou de viés, fingindo interesse por uma vitrine ao lado, indo embora em seguida...

Júlio Cortázar

Alquimia

Hóstia branca das noites do sertão, tu és banhada com o sangue da solidão dos que alumias. És regada com a seca desta terra, que te presenteia céu desnudo. Hóstia sagrada, que clareia os caminhos, reluza em minha estrada pedregosa teu brilho ensolarado, rasga as trevas do meu silêncio, corrompe meus singelos deslumbres e empurra-os aos ventos. Hóstia de prata tão pura cadencia meus pensamentos e afasta de minhas mãos meus temores ímpios, minhas lágrimas impuras, minhas razões desvairadas. Hóstia do caduceu faça amargar em meus lábios palavras rotas, palavras roucas, palavras de fel. Branca e sagrada prata celeste, aplaca essa ira que em prantos incontidos se lançou na escuridão do mundo.