As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. (Clarice Lispector)
dezembro 26, 2007
para dizer o mesmo
Eis que me respaldo. Compreendo, porém, que justificar nova alusão ao sentimento que guardo em mim, não me assegura da evasão daquele olhar, que é endereço certo do amor que agora explicito.
A noite desceu como uma lâmina sobre os meus cabelos. Surgiu sem poesia, em detrimento à lua que se afigurava no lado direito do meu campo de visão. Cheia plenamente, mas quase se esvaindo em míngua. Flutuante e clara. Servindo de candeeiro à escuridão fria da serra. Meus olhos, absortos, viam imagens passadas, num momento em que tu eras pura presença e leveza nos dias. Mas onde tu estás, além daqui, nessa memória, que de tão permanente, projeta-se na retina e a faz mais real que a lua e as estrelas lá fora?
Fecho os olhos e a imagem permanece, quase concreta, quase palpável. Temo estender a mão e desfazê-la em poeira. Imagino teu sorriso em minha direção e parece que um sol acabou de surgir na manhã. Não falarei de cores, não falarei de pétalas, muito menos da rosa inteira. Quero apenas fitar teu sorriso, que sempre me deslumbrou. Quero pensar que ainda sorri pra mim, que ainda busca o meu norte. E me escapa um suspiro dos lábios. Imagino nossos dias, imagino que tudo é possível e quase sinto o teu cheiro.
dezembro 19, 2007
meio dia, no meio da noite
o novo dia por aqui acabou de chegar: 0h00.
Eu não encontro a posição certa para os móveis, eu não encontro o disco certo para os ouvidos, eu não encontro a comida certa para a mesa. Mas está tudo posto. Tudo dado. Sigo a vida sem grandes deslumbres, mas me deslumbrando a cada novo evento da alma.
Hoje a dor não me reparte em pequenas parcelas de mim. Hoje sou um todo. A dor saiu a passeio e avisou que não a esperasse tão cedo. Temo pelo vento frio nela que sofre de reumatismos e tem fôlego curto. Temo pela violência urbana que não escolhe a quem atacar, mesmo a uma senhora indefesa e raquítica e desnutrida. Temo pelos desapercebidos que possam acolhê-la em seus lares e que não saibam mais como gentilmente fazê-la sair. Temo que ela esqueça meu endereço (apresenta os primeiros sinais de Alzheimer).
Hoje não me reparto. Não me desfaço. Hoje não será preciso ajustar cada parte de mim ao amanhecer. Hoje não preciso de telefones, nem de cartas, ou cavalos alados. Hoje me refaço, retenho-me, regozijo-me.
A noite lá fora, o dia aqui dentro. O medo lá fora, a luz aqui dentro e o teu nome, que não me assusta, nem resgata a dor da noite lá fora.
dezembro 14, 2007
na tarde que cai
dezembro 08, 2007
roteiro
Olhos abertos. Caneta em punho. Tinta escorregadia. Pensamento confuso. Respiração ofegante. Olhos fechados. Imagem óbvia. Corpo vulnerável. Corpo preso à condição celibatária. Nenhum desejo. Nenhum sobejo de desejo. Olhos abertos: cegueira completa. Olhos fechados: luz.
novembro 16, 2007
seis letras
hoje amanheceu com neve na janela, frio úmido e aconchegado. É impossível desconforto a qualquer temperatura, se teu abraço foi o esconderijo noturno. Por isso a neve, mesmo com 40 graus lá fora. O dia surgiu traduzindo todas as cores, revelando-se luz. E eu não quis dizer nenhuma palavra, pois nenhuma expressão, em qualquer língua, alcançaria a ternura e eternidade daquele sentimento percebido na tua pele, que transpirava amor. E o teu sorriso me arrebatou. Bom dia!
novembro 07, 2007
incidental
jean-jacques rousseau
mar aberto
eis o dia!
Quis tua voz... e eu a tive! O que queria falar se tornou irrelevante.
“será que você vai saber o quanto penso em você com o meu coração... fui escolhido pela menina mais bonita”
Não importa se sou prolixa, se me equivoco, é você o beijo em minha alma... começa em meu pescoço e, nesse exato momento, eu perco as palavras, mas que não faz a menor diferença, pois sei que tudo que balbucio você compreende. Mas eu não sei dizer tudo que quero dizer, eu não sei como expressar tudo que eu sinto quando você me olha, quando você me toca. Eu rabisco um verbo. Mesmo sem te ver, penso em você e tudo fica azul e amarelo. E eu não consigo disfarçar. Todos encontram poesia em mim e me perguntam como é possível ser feliz às 7h, em plena segunda-feira. Não há resposta, há você e o mundo parece outro, sendo o mesmo. O dia fica claro e leve, não importa o que diga a meteorologia. Tangencio sentinelas. Por que precisão? Preciso de nada, tendo teus olhos. Até a dor sorri nessa alegria de mar.
Tudo vai durar. Tudo certo. Eu sei. Não importa a distância. Nesse exato momento, real ou circunstancial, não importa nem mesmo o silêncio. Mas não precisa calar, fala-me de você. Ouça nossa música. Quem poderá ter essa trilha sonora além de nós? Ouça o mar e se não há, sinta a brisa!! Olha a lua. É tão tua. Sorri. Sorri pra mim. Somos você e eu!
novembro 02, 2007
fora de ordem
atividades dispersas num dia celebrado aos mortos. Fogo morto, tempo morto. Há alguma coisa aqui que destoa do ambiente... tum tum... Ah! Um coração. Se o que define a transposição entre o lado de cá e o lado deles, hoje lembrados, é o pulsar sem fim desse músculo, deduzo que existe vida. Meu coração é teu ou meu coração ateu? E me vejo voltando ao discurso da saudade. Sinto saudade de ontem, pra amanhã sentir saudade de hoje. Saudade do que fiz e do que não fiz. Saudade pura. Tem uma pontinha de masoquismo em nós que nos projeta a esse ambiente de memórias. O pensamento perambula buscando resquícios dos dias idos, dos dias em que tudo que eu sabia de você era construído em bytes. Todas as cores do nosso amor podiam ser escolhidas e editadas: ‘ah, mas esse amarelo é muito aberto...; não sei se digo que te amo em times ou em verdana, em negrito ou em itálico...’ E teu rosto era bidimensional. Teu sorriso estático, apesar da sua melodia inconfundível, que os recursos de áudio da Embratel me permitiam ouvir. Lembro ainda da letra harmoniosa, num papel branco, quando nos permitimos pintar o jogo da fala da tinta. E como esquecer a primeira vez que ouvi de tua boca, lançado como uma flecha em minha direção, o termo usual dos amantes? Fiz esse mesmo sorriso amarelo que repito agora, como em todas as vezes que ouço de ti a mesma fala. E me vejo tecendo essa história e recriando espaços, refazendo a casa, depurando os dias. Há alguma coisa no amor que escapa de qualquer compreensão plausível. Eu perco o sono e o chão. Eu ouço o telefone tocar a cada dois minutos. Eu ouço tua voz no corredor e ‘eu não sei onde estás, nem com quem’.
..............................................................................
eu levo o seu coração comigo (eu o levo no
meu coração) eu nunca estou sem ele (a qualquer lugar
que eu vá, meu bem, e o que que quer que seja feito
por mim somente é o que você faria, minha querida)
tenho medo
que a minha sina (pois você é a minha sina, minha doçura) eu não quero
nenhum mundo (pois bonita você é meu mundo, minha verdade)
e é você que é o que quer que seja o que a lua signifique
e você é qualquer coisa que um sol vai sempre cantar
aqui está o mais profundo segredo que ninguém sabe
(aqui é a raiz da raiz e o botão do botão
e o céu do céu de uma árvore chamada vida, que cresce
mais alto do que a alma possa esperar ou a mente possa esconder)
e isso é a maravilha que está mantendo as estrelas distantes
eu levo o seu coração, eu o levo no meu coração
e.e. cummings
outubro 31, 2007
sobre plumas e monstros
suposto ter sido o dia leve. Hoje é uma data sem data. Sim, mas o dia foi produtivo. Até o momento em que entrei em casa e vi teus olhos apontando para os meus. De soslaio, mas apontando para os meus. O que eu sei? Eu não sei. O que sei já ultrapassa o limite da repetição suportável. O vinho que matenho cuidadosamente na horizontal, no lugar mais fresco da cozinha, já atravessa meu campo de visão. E não acho que as pessoas são piores ou melhores porque usam algum tipo de droga lícita ou ilícita nos seus dias. Sei que há coisas fugidias que se intercalam no caminho e são muito mais nocivas que qualquer elemento alucinógeno que possa ser ingerido. Mas faço parte dos novos burgueses pudicos, comedidos e de discurso aprumado que fomentam o uso apenas do aceitável pelos olhos do vizinho. No meu caso, é aceito desfrutar do destino mais nobre da uva cabernet sauvignon. Mas voltando ao eixo, o dia foi produtivo e leve, posso descrevê-lo com os mesmos termos e taxá-lo de levemente produtivo. Foi intenso: calor intenso, trânsito intenso, barulho intenso, amor tenso, saudade... aqui paro, condenso. Eu sei que a música que ouvia ontem pela manhã continua repetindo baixinho num canto da sala e as folhas dispersas que jurei guardá-las hoje, foram incrementadas por outros escritos de igual importância. Mas já fiz novas promessas. Amanhã voltarei à corrida. Cinco da manhã: tênis, meias, roupa leve, seis quilômetros pela frente. Disseram que eu posso desaparecer, mas argumentei que o natal e o reveillon nos trazem bons acréscimos calóricos, é preciso subtrair mais que o necessário, para garantir a adição sem culpa... que papinho mais sem propósito! Resumindo: a primeira refeição, uma água de coco; a segunda, um coca zero; a terceira, uma barra de cereal; a quarta, um vinho. Mas teus olhos apontando para os meus foi uma coisa que me assustou. Esqueci ao longo do dia que tinha te deixado neste canto, para atravessar-me. Teus olhos apontando para os meus, aqui e por trás da câmera. Teu sorriso provocando meus sentidos, aqui e por trás da câmera. Mas sim, meu dia foi quase leve. Produzi o que disse que faria, mas não disse muito. Por isso começarei o próximo dia com seis quilômetros a serem escritos.
Era suposto ser leve esse texto. Era suposto ser producente. Mas na verdade, quero apenas que o mês termine. Faltam 28 minutos!outubro 28, 2007
silêncio
divagações em uma fria noite - julho de 1999
outubro 25, 2007
fome de amor
a maioria dos lugares por onde passamos e que neles há escritos, estes, infinitas vezes, fazem considerações sobre o amor ou ao ato de amar, ou à coisa amada: a personificação do sentimento. Quase todos prolixos, às vezes com relampejos de erudição. Mas o amor é prolixo e pontual; erudito, mas simples também. Paradoxo em si.
A luta diária é para prover o sustento do corpo e da alma. Salários pagam o pão nas suas mais variadas formas. Mas e o amor, como saciar nossa fome de amor, a sede por sermos amados? Salários não pagam o amor. Eis um item impagável, senhores. Guardem seus milhões! Amor é serenidade, simplicidade, altruísmo, devoção.
E matamos a fome. Matamos também o amor. Queremos trocas e certezas. Achamos que vamos morrer de inanição: o amor está escasso. O amor se torna insuficiente. Privação de amor. Será mesmo? Será que não nos boicotamos vez ou outra? Por que tantas vezes nos permitimos à reclusão e não buscamos alimentar ao amor, ao invés de colocarmo-nos na posição passiva de sermos supridos por ele? E tem sido essa a minha mais importante tarefa dos dias, alimentar a esse amor. Tratá-lo com atenção. Lisonjeá-lo sem pieguice, embora compreenda a tênue linha entre esta e o amor.
Não tenho fome do teu amor, ele me sacia. Tenho fome do teu sorriso, da tua boca, que sorri e beija. Tenho fome dos teus braços que enlaçam meu corpo. Tenho fome da tua voz dizendo eu te amo. Mas espero. Olho a lua boiando lá fora e exercito o altruísmo. Apenas deixo que saibas que, de minha parte, ela é tua. Não precisas dar-me nenhuma estrela por isso. Pega essa estrela e enfeita o nosso amor. Mima-o, pra que ele seja sempre o que é hoje: um amor puro e livre.
Mas ninguém nunca imagina que um amor assim possa acontecer, mas acontece e para nós aconteceu. Agora quero ficar com ele pra sempre. Quero amá-lo do jeito que amo agora pra vida inteira. Se formos embora, perdemos tudo... não nos perca, não se desfaça de nós. Parece que o amor não segue expectativas, que é mistério puro e absoluto. Ainda assim, vamos regá-lo! Vamos rodeá-lo de cuidado e atenção e todos dirão que temos muita sorte.
outubro 21, 2007
outubro 08, 2007
sobre o desejo
roubar-te a íris
e o teu branco - mácula lútea.
perceber tua alma inquieta
e fazer-te senti-la percebida.
e aprender-te em braile.
setembro 25, 2007
ao meu amor, que dorme
nesta noite de poucas estrelas
me apaixonei
por teus olhos
e agora já não sei
como perdê-los de vista
(...)
a noite - enorme
tudo dorme
menos teu nome
paulo leminsk
................................................
Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.
pablo neruda
lilitchka!
em lugar de uma carta
Fumo de tabaco rói o ar.
O quarto –
Um capítulo do inferno de Krutchônick.
Recorda –
Atrás desta janela
pela primeira vez
apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas,
no coração – aço.
Um dia mais
e me expulsarás,
talvez, com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço,
trêmulo, se recusa a entrar na manga.
Sairei correndo,
lançarei meu corpo à rua.
Transtornado, tornado
louco pelo desespero.
Não o consintas,
meu amor, meu bem,
digamos até logo agora.
De qualquer forma
o meu amor
– duro fardo por certo –
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.
Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.
Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta,
Ele trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum um som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
e não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com o seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos
– rodopiante carnaval –
dispersarão as folhas dos teus livros...
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.
Maiakovski
setembro 24, 2007
calmaria
Tens a festa, tens a dança, tens a cantoria
Tens no meu amor tua teimosia
Tens no meu silencio tua garantia
Tens na rua a graça, o beijo
Tens a fantasia
Tens na mão a faca e o queijo
Tens a noite e o dia
Tens na minha ausência tua companhia
Tens a fama, tens a lama, tens a ironia
Tens na minha dor tua melodia
Tens na minha sombra tua moradia
Tens no quarto um cão vigia, tens a valentia
Mas só na minha morte então terás tua calmaria
.....................................................................................
tens (calmaria), ronaldo monteiro e ivan lins
abril 06, 2007
eu preciso dizer que te amo
Trata-se de um sussurro. Um gesto incontido. Um beijo no escuro... se esqueço a forma adequada de expressar um fato qualquer, é por que não existe manual. Não há bula. Não existe um resumo sequer. Esforço-me em falar sem peso sobre essa aflição desajeitada, equivocada tantas vezes, que atende por vários nomes. No meu caso, prefiro atribuir-lhe a alcunha mais óbvia: amor. Mas qual o melhor epíteto para tão notável beleza? Teu nome!
Trata-se de um bilhete escrito às pressas. Desejaria ser daqueles que se interpõem entre lados opostos de um mesmo lado e desfazem viagens e param trens e pacificam corações.
Trata-se de um projeto (um esboço talvez seja o termo adequado), cuja proposta é dizer eu te amo.
abril 03, 2007
nalgum lugar
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo igual
ao poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fechae abre;
só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
e. e. cummings
abril 02, 2007
de perto ninguém é normal
freud
março 30, 2007
assincronia
Ando vivendo essa série de ‘escondam-as-cordas-os-estiletes-a-água-sanitária’, nesse mundinho chinfrim que a gente cria pra dizer que sofre e pra nutrir a dor. Ando ouvindo Dolores Duran... ‘olha, você vai embora, não me quer agora’; Nana Caymmi... ‘sabe, eu não faço fé nessa minha loucura’; Byllie Holiday... ‘if you’re mine’ e indo além... choros e sambas que fizeram a noite paulistana de décadas atrás; tangos e boleros; Ataulfo Alves... ‘atire a primeira pedra’; Ângela Rô Rô... ‘sonho acordado, sou sua’; Gonzaguinha... ‘coração aberto, tô sangrando’; Renata Arruda brincando com Bráulio Tavares... ‘sabe o que você é para esse cara aqui, é um pára-quedas da FAB, daqueles que nunca abre na horinha de abrir’... Mas vamos deixar essa discografia de lado. Subitamente, acho desnecessária essa profanação. A dor, tal qual o amor, não se descreve, sente-se, parafraseando Sêneca.
Mas continuo apostando no amor. Continuo querendo viver um dia de cada vez, um sorriso de cada vez, um beijo de cada vez, um olhar de cada vez e, claro, o inevitável, um pouco, mas só um pouquinho de dor de cada vez.
E lá se vai mais um fim de tarde. Dia soturno afunda no horizonte. Sombras do sol ainda clareiam vagamente a folha de papel, sobre a qual me debruço, sobre a qual me entrego e regozijo esse prazer ínfimo de dizer-te, mesmo sem que saibas, que minha dor é tua, por que é teu amor quem me traz.
março 29, 2007
o que me assusta
clarice lispector in a hora da estrela
março 28, 2007
à beira do mar aberto
caio fernando abreu
março 26, 2007
do outro lado
E vivemos nesses momentos solidão aos pares. Consentida. Não alcanço teus gestos, nem tua fala. Nem sempre. Imagino poder te fazer entender que o silêncio é uma forma de contrição, de adoração, de respeito. Raramente denota evasão.
E eu te vi agora passar por essa janela. Mas foi uma passagem tão rápida, que não me permitiu o aceno.
..................................................................
cartas a um jovem poeta, rainer maria rilke
março 14, 2007
a difícil arte do entendimento
Houve um momento em que acreditava que minha retórica não era tão má, mas agora percebo que não há conexão favorável ao entendimento, nas palavras que busco mencionar. Asseguro que me esforço e o esforço não é pra dizer o que o outro quer ouvir (seria um esforço inútil e ridículo). Sou prolixa, no exato significado do termo. Você não entende... nem eu.
março 12, 2007
a medida exata
Hoje foi um dia atípico. Vivi essa tristeza de saber quem me mata. Engraçado isso de nos permitirmos morrer de amor, quando de fato não morremos nada. Mas essa dor extenuante de punhal atravessando o peito, dor física mesmo, é como morrer. Meu punhal tem a medida exata, com uma letra e várias datas. Lembro de todas. Datas às vezes não são celebradas. Podem passar desapercebidas. Mas sempre gostei de lembrar e falar e festejar até a exaustão todas as que se tornaram importantes. E hoje é dia 11, quase 12. Essa é uma data que vem sendo celebrada há pouco. É essa exata transição – de 11 a 12 – que me desassossega. Em breve será um ano a ser registrado no punhal. Como esquecer? Não é vontade também esquecer. Desejo, ainda que remeta a alguma dor, manter acesa essa lembrança de datas que impuseram um risco na história: antes e depois de.
Tenho péssima memória fotográfica. Tudo bem, o teu rosto que preciso, foi registrado de todas e tantas formas que é nem Sir Alzheimer me fará esquecê-lo. E minhas memórias de todas as datas são protagonizadas com esse rosto indelével. Então tenho um diário permanente, como o diário de uma paixão. Posso contar cada evento e vou registrando-os nesse punhal. Acho que é ele que me mantém desperta.
Punhal de prata já eras,
punhal de prata!
Nem foste tu que fizeste
a minha mão insensata.
Vi-te brilhar entre as pedras,
punhal de prata!
- No cabo, flores abertas,
no gume, a medida exata,
exata, a medida certa,
punhal de prata,
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data.
A maior pena que eu tenho,
punhal de prata,
não é de me ver morrendo,
mas de saber quem me mata.
guitarra, cecília meireles
Então é isso, punhal de prata, se não tivesses desenhado essa letra, nem essa data, não teria a dor de saber quem me mata.
março 11, 2007
tanto querer
posse é peso
O amor é piegas, repetitivo, insistente mesmo. Alguns amam dando ainda mais ênfase a essas características (tantas vezes me vejo fazendo parte desse seleto grupo de pieguice, insistência, repetição). Por segundos, os donos desse comportamento se chamam à razão. Inútil! Vêem-se loucos fora desse doar-se sem fim.
‘A lua é sua. Vênus é sua. O vento que te acaricia sou eu. Meus pensamentos são seus...’ Ofertar essas coisas evidenciam o nosso deslumbramento e perda de realidade. Será que antibiótico cura? Alguém conhece algum chá qualquer que alivie o sintoma? Já seria suficiente o alívio sintomático dessa coisa de ir e se dar. Daria chance para o outro se recompor, desintoxicar-se de nós insistentes. Talvez plantássemos até um pouco de saudade em seus corações. Mas não sei se queria tomar desse chá. Vai que ele traz algum efeito colateral, como auto-suficiência, independência, desapego? Como seria amar sem dizer ‘eu te amo’ cem vezes por fala? Não! Tudo bem. A lua continua sendo sua. Quando houver nuvens brancas desenhadas serão suas, até o dia que eu decida não mais ofertá-las.
Confuso mesmo. Entendo o não querer ser possuidor da coisa amada ou da coisa que diz 'eu amo'. Afinal, ninguém nunca guardou a lua, uma noite que seja, no teto do seu quarto... ‘pronto, hoje a lua que você me deu está comigo.’ Esquisito isso. E o vento? Coisa mais sem propósito amar assim. ‘Meu coração é teu...’ e se ele parar, alguém o colocaria no formol e o manteria ali ao lado? ‘Ah, meu doce coração... saudades do resto que te acompanhava.’
Mas amamos assim. Buscamos nessas coisas escorregadias e inalcançáveis provar que é algo grande o que sentimos. Tentamos provar com o imaginário algo que garantimos ser real, palpável. Talvez seja o amor o próprio imaginário e, assim sendo, vai ter o valor que cada amante o oferecer. Há alguns, como eu, que sofremos com o peso que damos ao nosso amor e, por vezes, não conseguimos sequer erguê-lo. Então o amor – piegas, repetitivo e insistente – torna-se também opressivo, fazendo com que o outro o descarte. Ninguém quer fardos. Por isso ninguém quer posse. Posse é peso.
março 09, 2007
entre duas coisas
But when I think about it
I don't see how you can
You're aching, you're breaking
And I can see the pain in your eyes
Says everybody's changing
And I don't know why.
So little time
Try to understand that I'm
Trying to make a move just to stay in the game
I try to stay awake and remember my name
But everybody's changing
And I don't feel the same.
You're gone from here
Soon you will disappear
Fading into beautiful light
'cause everybody's changing
And I don't feel right.
everybody's changing, keane
...
Essa música sempre vai me lembrar um lugar. Nele, você. E entre essas duas coisas, um dos momentos mais lindos da minha vida.
fevereiro 25, 2007
sir lancelot
Quando chegou em casa, era tímido e medroso. Aonde quer que eu fosse, ele estava ao lado, querendo que eu o olhasse. Acho que ele queria a certeza de que esse seria o seu lugar e não mais um ambiente de passagem, como havia sido o último em que esteve. Ele tinha comida, sombra e água fresca, mas não se sentia seguro. Nada que dois ou três dias de parceria não resolvessem. Ele começou a pular e correr por todo espaço, sabia-se dono.
Não consigo explicar como uma coisa tão pequena e peluda (hoje, com quase três meses, ele pesa 1,2Kg) pode fazer tanta diferença no dia a dia; é capaz de nutrir tanto amor e carinho; pode se tornar imprescindível na minha vida.
Bem-vindo Sir Lancelot GH Crepúsculo Vermelho, a casa é sua e o meu coração também.
fevereiro 23, 2007
menina da lua
A singela melodia que eu fiz
Pra ti, ó bem amada
Princesa, olhos d'água
Menina da lua
Quero te ver clara
Clareando a noite intensa deste amor
O céu é teu sorriso
No branco do teu rosto
A irradiar ternura
Quero que desprendas
De qualquer temor que sintas
Tens o teu escudo
O teu tear
Tens na mão, querida
A semente
De uma flor que inspira um beijo ardente
Um convite para amar
de renato mota por maria rita
fevereiro 22, 2007
segundo dia
num dia perdido num janeiro de 2006
fevereiro 21, 2007
outono (reeditado)
Recife,
23 de abril de 2006
Quatro horas e dezoito minutos
fevereiro 18, 2007
tua chegada
é como luz: brilha
é como fogo: arde
é como frio: queima
é como mar: acalma
é como céu: inunda
é como ninho: acolhe
é como telha: protege
é como mão: acalanta
é como lápis: diz
é como ar: penetra
é como nuvem: refresca
é como mãe: abençoa
é como tempestade: desperta
é como tudo: não sei
é como nada: peixe
janeiro 23, 2007
quando o próprio amor vacila
Autor Desconhecido, por Maria Bethânia no show Maricotinha
janeiro 17, 2007
história medieval
Olhar fixo num canto, deixo que as palavras últimas ouvidas encontrem um repouso no pensamento. Que em breve não sejam mais que memória antiga.
Incomoda este “ter sempre razão” da criatura humana, mesmo quando parte de quem amamos. Devo acreditar que meu comportamento é similar, em detrimento da eterna vigilância. É um mecanismo quase padrão na relação entre as pessoas. Tanto que quando, em determinado contexto, alguém sugere participação em algum ato, que ouso denominar de culpa (tiremos o peso da igreja católica daqui), é de átimo tachado de coitado, de alguém se fazendo de vítima. Percebe? Se você admitir culpa, você é vítima. Se acusar, é culpado.
Meu amor não é menos intenso por isso. Apenas desejo menor ênfase no auto-elogio. Todos estamos implicados.
janeiro 15, 2007
retrato falante
mostro o retrato desta sala,
que o dia inteiro está mirando,
e à meia-noite em ponto fala.
Cada um tem sua raridade:
selo, flor, dente de elefante.
Uns têm até felicidade!
Eu tenho o retrato falante.
Minha vida foi sempre cheia
de visitas inesperadas,
a quem eu me conservo alheia,
mas com as horas desperdiçadas.
Chegam, descrevem aventuras,
sonhos, mágoas, absurdas cenas.
Coisas de hoje, antigas, futuras...
(A maioria mente, apenas.)
E eu, fatigada e distraída,
digo sim, digo não - diversas
respostas de gente perdida
no labirinto das conversas.
Ouço, esqueço, livro-me - trato
de recompor o meu deserto.
Mas, à meia-noite, o retrato
tem um discurso pronto e certo.
Vejo então por que estranho mundo
andei, ferida e indiferente,
pois tudo fica no sem-fundo
dos seus olhos de eternamente.
Repete palavras esquivas
sublinha, pergunta, responde,
e apresenta, claras e vivas,
as intenções que o mundo esconde.
Na outra noite me disse:
"A morteleva a gente. Mas os retratos
são de natureza mais forte,
além de serem mais exatos.
Quem tiver tentado destruí-los,
por mais que os reduza a pedaços,
encontra os seus olhos tranqüilos
mesmo rotos, sobre os seus passos.
Depois que estejas morta, um dia,
tu, que és só desprezo e ternura,
saberás que ainda te vigia
meu olhar, nesta sala escura.
Em cada meia-noite em ponto,
direi o que viste e o que ouviste.
Que eu - mais que tu - conheço e aponto
quem e o que te deixou tão triste."
Cecília Meireles