maio 30, 2008

o último dia do ano

O último dia do ano

Não é o último dia do tempo.

Outros dias virão

E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.

Beijarás bocas, rasgarás papéis, farás viagens e tantas celebrações de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,

que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,

os irreparáveis uivos

do lobo, na solidão.


O último dia do tempo

não é o último dia de tudo.

Fica sempre uma franja de vida

onde se sentam dois homens.

Um homem e seu contrário,

uma mulher e seu pé,

um corpo e sua memória

um olho e seu brilho,

uma voz e seu eco,

e quem sabe até se Deus...


Recebe com simplicidade este presente do acaso.

Mereceste viver mais um ano.

Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.

Teu pai morreu, teu avô também.

Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,

mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,

e de copo na mão

esperas amanhecer.


O recurso de se embriagar.

O recurso da dança e do grito,

o recurso da bola colorida, o recurso de Kant e da poesia,

todos eles... e nenhum resolve.


Surge a manhã de um novo ano.


As coisas estão limpas, ordenadas.

O corpo gasto renova-se em espuma.

Todos os sentidos alerta funcionam.

A boca está comendo vida.

A boca está entupida de vida.

a vida escorre da boca,

lambuza as mãos, a calçada.

A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.


(carlos drummond de andrade, passagem do ano in a rosa do povo)

sobre a delicadeza das coisas

e tantas vezes se diz, quando o silêncio é a melhor palavra.

maio 28, 2008

interpretação

sem paixão o amor é racional como qualquer outro conceito acadêmico, passível de compreensões vastas e tantas vezes equivocadas. Quem sofre de amor não se incomoda muito com o que se comenta a seu respeito, sobre o que se fomenta, mesmo sem ser de direito. Em geral, vê-se ao largo, põe-se de forma qualquer e se permite ser visto do modo que melhor convir ao observador. Mas admite que se enquadre nos preceitos preconcebidos e reconhecidos como fatos, que não fujam da retórica aparente, que denote controle sobre o que se supõe, sobre o que se diz, sobre o que se crê. Por tantas vezes confundido, esse amor invisível parece ser qualquer coisa e, se assim, é melhor não compreendê-lo. Compreende o que te digo? Não, por favor, não me entenda. Eu sou outra pessoa, cuja paixão impede a leitura clara daquilo que se mostra em linhas inteligíveis. Mas dou dicas, oriento o norte: busque enxergar simplicidade, mesmo quando abuso das alegorias. Meus adereços são metal sem valor e material que se recicla todos os dias, me reciclo todos os dias, mas não para mudar, apenas para retirar a ferrugem que teima em se posicionar nas posturas que adoto como duradouras e se esvaem como o vento.

Eu amo com paixão!

maio 26, 2008

descrição da alma

chorei em bancos de rodoviária, em escadarias de catedrais, em poltronas de cinema, no chão do corredor. Momentos em que te expurgava e te sentia mais dentro, dilacerante. Emudecia e umedecia o rosto, os lábios, as mãos, na ânsia de evaporar-te no instante seguinte. Violei sinais e deixei que o vento revestido de poeira me acertasse, nas viagens por estradas sem destino, a pé, de caminhão, de lotação. Bebi a culpa amarga nos bancos engordurados dos botequins de subúrbio, em companhia da friagem da madrugada, que penetra pelos ossos, congela o sangue, fazendo parar o coração em agonia. Fiz jogos de azar, compus lirismos tão mesmos e tão gastos. Corroí, como as traças, páginas em branco e preto dos sebos das ruas mais antigas, mais nostálgicas. Mudei vestiário, usei maquilagem atroz, querendo ser outra, sendo a mesma, a de antes. Estraguei meus discos, rabisquei meus livros, construí olheiras, escavei rugas. Fiz promessas e perdi a fé, fiz acordos e paguei multas, gastei dias, salários, fiz notas falsas. Assisti a velórios de desconhecidos, comunguei da dor alheia. Desmontei orgulhos, fabriquei torpor. Dormi no sofá, ouvindo músicas de desamores e dissabores. Sonhei com teu rosto e acordei chorando, no escuro da casa, com o som na vitrola, rompendo o silêncio, dando forma a esse estado de agora.

maio 25, 2008

the nude maja

Goya, circa 1800

a margem oposta

ouvi música, por aqui passaram melodias diversas. Li um pouco. Escrevi um pouco. Deitei um pouco. Não dormi. Olhos bem abertos, ora bem fechados, mas o pensamento em vigília. Num longo momento: silêncio, penumbra. De repente, o medo, um medo que trava. Um medo que, ironicamente, se põe à frente do peito, como se para protegê-lo, enquanto o esmaga. Não sei muito o que dizer. Essa fala comedida, quase lenta, posiciona-se de forma desmedida tantas vezes, operando um discurso desconexo. Então, rabisco essa tela. E, neste momento, comedidamente desmedido, elejo desejos, vontades. Queria fitar São Jorge na lua, escrever uma música, fazer um café. Queria ler outro livro, outra página, outro verso. Queria sentir a noite, a brisa, o vento. Queria contar estrelas, pegar uma e oferecê-la e vê-la reluzir em outro espaço. Queria uma mão, uma voz, e, no instante do agora, me desfaço da impessoalidade. Eu, em verdade, te queria. Queria tua paz, teu céu, teu inferno. Queria teu instante, teu momento, teu olhar sorrindo, teu sorriso fitado em mim. Queria o teu gesto, preenchido com teu jeito, ao alcance. Queria tua respiração, calma ou descompassada. Queria teu suspiro, sentir o cheiro desse ar que que habita em ti. Queria teu abraço, lento, sem pressa do fim, sem fim. Queria contemplar teu rosto até ele se perder dentro dos meus olhos.

No entanto, as vontades estão sendo domesticadas. Esse é um momento de travessia, embora não entenda o que significa esse trilhar de um lado a outro, pois imagino que os dois lados são mera convenção, e qualquer ponto poderia ser margem, uma vez que poderia representar partida ou chegada. Mas aqui proponho significação de um lado e de outro: a margem leste, onde disse adeus; a margem oeste, aquela que ainda não alcancei.

E já me desfiz da bússola e tantas vezes percorro noites na direção do começo; em outras vezes não há vento que sopre as velas do barquinho artesanal, cujo material – sonho e dor – sucumbem entre a leveza da pluma e o peso do chumbo. E assim, sem propulsão, sem direção, retorno ao porto de saída, que, sem faróis, desabitado, quase assombrado, ainda é, a sua trilha, o caminho mais familiar que conheço.

maio 22, 2008

endereço certo

eu sei que penso e que problema há nisso? Nenhum, além do fato de ser o pensamento teu rosto pendurado no retrato, que desenha essa dor que é minha, só minha e que dói.

maio 21, 2008

à espera dos dias

um, dois, três, quatro... perdi a conta. Afinal, o que mesmo eu contava? Parecia fim de tarde e, quando dei por mim, era mesmo manhãzinha. Dia novo despontando. Mas dava pra confundir, todo aquele vermelho no céu, bem podiam ser 5 horas vespertinas. Mas não. Ainda bem. Chegava a manhã. Manhã clara, levemente clara. Poesia gentil revolvendo-se à brisa mansa e fria que tenta despertar o corpo, endireitar o pensamento desnorteado. Sem norte, no estrito sentido do termo, e sem sul também. Mas devo dizer que meus pensamentos são de fato nordeste, coisa de raiz, de bairrismo concentrado.

Junto com o despertador, um galo em quintal distante, reafirma o início do dia. A luz se acentua e o céu se desmancha num azul aberto, como se se derramasse sobre o cinza hostil dos edifícios, que compõem esse horizonte urbano. Alarmes de veículos sendo desativados lembram o ranger de porteiras se abrindo. Sim, pode ser uma comparação forçada, feita por analogia de sentido e não pela pertinência dos sinais. Cai bem, contudo, visto que se segue do estouro dos motores, para além das cercas contentoras, só retornando, empoeirados, ao fim do dia. Um, dois, três, quatro carros saem juntos. O sol já se anuncia em calor. O anúncio em luz se fez há um tempo suficiente para contagens e recontagens de coisas desnecessárias e de coisas que não lembro.

Mas esse peso sobre os olhos, essa vontade de noite sobre o corpo, que o empurra para o calor das cobertas, que desconhece qualquer cenário laboral. Desconsidero os sinais, insisto, permito o sono... um, dois, três, quatro... que os dias passem.

maio 20, 2008

seu coração comigo

I carry your heart with me

I carry your heart with me (I carry it in
my heart) I am never without it (anywhere
I go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
I fear
no fate (for you are my fate, my sweet) I want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you

here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than the soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart

I carry your heart (I carry it in my heart)

(e.e.cummings)

maio 18, 2008

abstração do tempo

contar os dias retarda-os, torna-os morosos. A urgência me impele à contagem, compassos de espera. O que mais desejo é que eles acelerem, corram, ultrapassem os sinais vermelhos. Em alguns instantes, desejo que estacionem, que esqueçam o chicotear das horas. Geralmente, esse desejo último se refere à presença do amor atribuído de dotes e qualidades da pessoa em quem esse sentir atualizado se expressa.

O amor é piegas ou coisa que o valha, ou apenas nos deixa assim, explorando universos de canções, que bem poderiam ser doações para coisa amada ou inspirações na coisa amada. Embaraço-me com o que quero dizer, quando tento mostrar isso que não se sabe ao certo, nem se sente certo. Contradigo-me, volto atrás. Usualmente, me utilizo de outros, que apresentam leveza e domínio nesse discurso amoroso. Mas gosto mesmo é de dizer, mesmo assim, mesmo estranho, mesmo um.

Sigo dizendo, sangrando, sem preocupações com qualquer interpretação lingüística que possa ser lançada. Abro mão do debate e ponho-me na introspecção das noites de estrelas miúdas. Abro mão das definições mais puras e arremesso-me ao desembaraço da ignorância, que tão bem se concilia à calma, presumível calma. E nessas horas, convenciono atemporalidade, só nesse estado suprime-se a espera.

maio 16, 2008

fragmentos

como re-unir o que nunca se separou? Nem sempre procuro, mas como haverá revelação se não for lá, se não olhar atentamente? Muito muda ao longo do tempo, muito continua o mesmo. Às vezes criam-se razões para o silêncio e, diga-se de passagem, algumas pessoas fazem isso muito bem: silenciam. Certa vez pensava sobre o que se oferece ao outro, sobre não precisar de respostas. Um “eu te amo” não tem que ser acompanhado por um “eu também”, um “estou com saudade” não supõe o mesmo, por isso não implica retorno. Hoje, eu sinto muito. Sinto porque não se trata de pergunta, conseqüentemente, não se espera resposta. Trata-se de contato, de aproximação, de sintonia. É mais além e, por isso, muito mais óbvio.

Começar é sempre um risco, terminar também. Por isso me proponho a iniciar e terminar, sem mesmo sugerir ritos para cada novo evento. As coisas nascem e morrem e renascem e morrem... e renascem e morrem em si, anagrama de mim. E continuo rompendo conceitos, querendo achar o equilíbrio, mas continuo me mantendo a mesma: prolixa na acepção mais assertiva que se possa conceber. Dizendo sim e, algumas vezes, não. Comovendo-me com poesia, e sendo dura por estupidez. Resquícios da lição aprendida, onde se mostrar sensível é sinônimo de ser fraco e tolo; e isso me faz perder as medidas no que se refere a ser capitão do navio ou apenas mais um a pedir permissão para navegá-lo. Continuo brindando à lua e querendo aprender a rir de mim, como tantas vezes se chora de si mesmo. Se fosse dada à astrologia, diria ser classicamente geminiana, e sou, que não significa ser duplo, mas dual. Alguém que precisa de ar fresco e da luz do sol, como também da noite e de outras estrelas; alguém com coração e intestinos vulneráveis. Alguém que sofre de insônia, face à vulnerabilidade cardíaca. Alguém mutante e mutável, que pode morrer por amor ou por amor matar.

Não acredito que repensar ou remexer situações passadas possam ser de todo úteis. Algumas vezes podem só despertar sentimentos nocivos, como tristeza, mágoa, raiva, rancor; mas penso também que podem clarear alguns horizontes. Não reconhecer, pressupõe conhecer de alguma forma, mas nunca me quis com essa pretensão conhecedora. Contudo, se há um modelo, que não se harmoniza com o que foi predito é possível que o modelo tenha sido trocado ou a predição maculada.

Suponho que achar tudo isso é só mais um mal romântico, como tentar prever e chegar perto, às vezes perto demais, aquela eterna invasão do universo da coisa amada. Talvez tenha que reaprender a amar, refazer teorias, quebrar paradigmas, reinventá-los.

E lá fora, as luzes de mercúrio fingem que combatem a escuridão. São meros pontos luminosos, nessa coisa assombrosa que chamamos noite, nesse mistério guardado pelas estrelas.

maio 14, 2008

sim

como falar de amor para quem personifica o amor? Rezar resolve porque ajuda a passar o tempo, esse mestre desconhecido, embora seja deus a mais unânime justificativa para as coisas que não se consegue explicar, na tão óbvia ignorância dos seres. Mas entendo que deus é necessário, falo desse deus antropomórfico, que impõe suporte aos que nele acreditam. Eu acredito no tempo e rezo pra que ele passe, porque eu te amo. Eu te amo e eu preciso não mais amar.

maio 11, 2008

a noite de um dia

palavras desarticuladas num consenso tupiniquim - de brasileiro mesmo, sem conotação vil ou jocosa - entre o amor e a razão, me fazem pensar se em algum momento eu amo ou amei racionalmente. Eu amo porque essa é a essência última dos seres, porque é divino... Não, acho que amo mesmo sem pensar. Pode ser que o tempo me ajude a transcender e vire essa nau na direção de outro porto mais observador. Por enquanto, amo pelo que sinto nesse estado de confusão dos sentidos. Amo porque pareço maior, cresço em tamanho e cor, ao mesmo tempo em que o peso das coisas escorre através de mim, pois o peso só é percebido se sustentado, se erguido. Permito, ao que se aproxima e se coloca nos ombros, uma transliteração, e todo fardo se transforma em orvalho. Devagar, vou permitindo a impregnação de tudo que é presente, sem esperas. Pois creio que tudo chega, à revelia da ansiedade.

E tudo flui, sem impacto. Tudo atravessa considerando essa linha móvel, que tudo impulsiona, mesmo quando inerte, que tudo ultrapassa, sem transgredir, sem criar nós, sem embaraços. Mas tudo pára, impactado no abraço desses braços e energiza a pele embebida nessa carícia, que sorve através dos poros. E não há razão que proponha elucidação a este encravar de corpo e de alma, que se lança em dança lenta, em calor e frio e arrepio. Tudo pára, menos os braços e pernas e lábios. Tudo pára, mas há voz, que derrama o gozo poético, que, sim, faz meu estilo. Tudo pára, menos os cheiros que se misturam e perfumam a cama, o quarto, a casa. Tudo pára e silencia. E no silêncio a respiração dos corpos, que enlaçados, não se sabem início ou fim por eles mesmos.

maio 08, 2008

do nada

passei vinte minutos absorvida na imagem da página em branco. Passaria mais, esse não é o foco do raciocínio. Uma página em branco sempre sugere possibilidade e isso sempre será a melhor de todas as coisas. Era como se estivesse imersa em um buraco, tentando enxergar olhando para o alto. Havia certo desinteresse em encontrar o que compor a página, havia desinteresse em pensar no desenho. Foi quando ajustei a folha em branco ao conceito de possibilidade. Foi quando lembrei do papel nu que transporta sentimentos e me pus a derramá-los, às vezes metricamente ajustado, outras com displicente cuidado. E derramei versos de amor, canções de dor, segredos antigos, sorrisos de festa, histórias pra dormir, enredos pra se apaixonar. Mas veio outra pausa: o que fazer com o que havia soltado, como tornar sentimentos de uma alma confusa em palavras inteligíveis, factíveis? Era melhor retomar, voltar ao início, recompor os conceitos, usar a borracha e deixar a página em branco se expressar por ela mesma. Mas como tomar de novo posse, como voltar ao que era antes, como percorrer mais uma vez, se já estava tudo lá, mesmo se corrompido pela remoção do seu conjunto de cores?

maio 07, 2008

sobre punhais

todo descuido é uma forma de agressão.

maio 05, 2008

re-leituras

achei que pudesse reler certas coisas e continuar imóvel. Errei. Tudo permanece o mesmo. Tudo é o mesmo, como se nunca tivesse deixado de ser nem por um segundo. Cada palavra se move com a mesma violência e causa o mesmo impacto, que começa quando o coração dispara, atravessa todo o corpo como um raio e se projeta até às extremidades, promovendo tremores nas mãos, que se contorcem na ânsia de aprisionar o amor entre elas e jamais permitir uma fuga, mesmo que supostamente consensual. Achei que eu tivesse aprendido, que eu tivesse conseguido ver imparcialmente, de forma não passional. As releituras mostram algo novo, mas não contrário, mostram a mesma direção. Ao que parece, mais serena, porém mais contundente, mais fiel ao que representa. E não me preocupa se há silêncio, se há ausência, se há medo. Não há certeza e isso também não gera qualquer susto. É como se eu soubesse, mas negasse por proteção ou orgulho.

Às vezes chego perto demais do espelho, mas não vejo o que se mostra ou o que deveria mostrar. Vejo rugas e cabelos brancos e olheiras: sinais do tempo e das noites em vigília e esqueço de fitar a boca que sorri e os olhos que acolhem. Essas são as melhores partes e nunca as reconheço. Recuo e agrido quem se aproxima a um passo, como um cão. Sim, não mordo, mas toda a intenção se reveste de vontade. Penso que é simples e minhas lembranças se projetam naquilo que supunha passado, mas se mostram aqui, na frente, ao alcance.

maio 04, 2008

hoje

Quisera estar nos teus olhos agora
Um minuto que fosse
Apenas isso, não mais
Tocar tuas mãos macias
Roubar-te um beijo
O beijo da vida

Depois te deixaria
E esse deixar não duraria mais que uma lua

Mais que isso a dor não permitiria
A minha dor, saudade tua
Infinda saudade tua, dor minha
O tempo é breve e espera por nós

maio 03, 2008

a tarde como um rio suspenso

e eu já não sei o que pensar nessas horas... é denso, antes fosse inusitado. Se essa é a realidade, o que é a realidade? Onde estão as certezas? O que significa esse movimento, esse ir e vir de opostos, esses contrários que não se anulam?

Houve trovões e relâmpagos, sons e clarões que escaparam de um céu cinza e tumultuado. Era como se eu pudesse me ver por dentro. Mas havia beleza, era como um baile orquestrado, onde a chuva, com seus pés pequenos e delicados, dançava rodopiante na tarde inteira. Houve memória, desatino, pensamento e nele essa estória equivocada e tão clara. Esse jogo de palavras, que permite diversos julgamentos, porém uma única sentença, que declara e encerra a proposição mais íntima de tudo que foi dado como certo. Entendo que percebo o certo apenas como condição própria das coisas que evoluem com a cara da reticência, da incerteza, do não eternamente crível.

É certo que não sei o que pensar, mas me desfaço dessa necessidade de gerar pensamentos e me entrego à beleza sutil de sentir. E elejo um sentido. Fecho os olhos, nego a luz. Ensurdeço e calo. Negligencio o toque. E sinto teu cheiro, que é a melhor coisa que penetra no reino dos meus sentidos, transforma-se em sentimento. E o meu amor é só perfume.

maio 01, 2008

maio

não há como esconder o óbvio, ao mesmo tempo ele é sempre mais difícil de ser enxergado. Provavelmente se morássemos no fundo do mar, a última coisa da qual nos daríamos conta seria a água. A práxis leva ao mecanicismo, que desbota a cor das coisas, que paralisa o movimento, que emudece a fala. Mesmo que os tons, a cinética e a voz permaneçam, fica tudo tão impregnado do mesmo, que desaparece, como mágica. Torna-se invisível, indizível, quase como se não estivesse lá. Por isso os olhos atentos. Quero perceber cada detalhe da mesma cena que se projete dia após dia. Quero ver como nova, cada paisagem antiga. Quero reconhecer novas harmonias em cada velha canção, que já nem toque no rádio e que se apresente sem a limpidez polida dos sons digitais, que venha com o ruído da agulha no vinil, que me desperte para o que não parece inédito, para que eu possa me apaixonar a cada instante pela mesma idéia, pelo não-outro, para ver o novo, no que já é conhecido.

Não há como esconder o óbvio que existe em mim, não há como re-mover o que já impregnou o que reconheço como sendo eu. Por isso você não me vê, mesmo assim, mesmo perto, mesmo maio.