chorei em bancos de rodoviária, em escadarias de catedrais, em poltronas de cinema, no chão do corredor. Momentos em que te expurgava e te sentia mais dentro, dilacerante. Emudecia e umedecia o rosto, os lábios, as mãos, na ânsia de evaporar-te no instante seguinte. Violei sinais e deixei que o vento revestido de poeira me acertasse, nas viagens por estradas sem destino, a pé, de caminhão, de lotação. Bebi a culpa amarga nos bancos engordurados dos botequins de subúrbio, em companhia da friagem da madrugada, que penetra pelos ossos, congela o sangue, fazendo parar o coração em agonia. Fiz jogos de azar, compus lirismos tão mesmos e tão gastos. Corroí, como as traças, páginas em branco e preto dos sebos das ruas mais antigas, mais nostálgicas. Mudei vestiário, usei maquilagem atroz, querendo ser outra, sendo a mesma, a de antes. Estraguei meus discos, rabisquei meus livros, construí olheiras, escavei rugas. Fiz promessas e perdi a fé, fiz acordos e paguei multas, gastei dias, salários, fiz notas falsas. Assisti a velórios de desconhecidos, comunguei da dor alheia. Desmontei orgulhos, fabriquei torpor. Dormi no sofá, ouvindo músicas de desamores e dissabores. Sonhei com teu rosto e acordei chorando, no escuro da casa, com o som na vitrola, rompendo o silêncio, dando forma a esse estado de agora.
As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. (Clarice Lispector)
maio 26, 2008
descrição da alma
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