maio 25, 2008

a margem oposta

ouvi música, por aqui passaram melodias diversas. Li um pouco. Escrevi um pouco. Deitei um pouco. Não dormi. Olhos bem abertos, ora bem fechados, mas o pensamento em vigília. Num longo momento: silêncio, penumbra. De repente, o medo, um medo que trava. Um medo que, ironicamente, se põe à frente do peito, como se para protegê-lo, enquanto o esmaga. Não sei muito o que dizer. Essa fala comedida, quase lenta, posiciona-se de forma desmedida tantas vezes, operando um discurso desconexo. Então, rabisco essa tela. E, neste momento, comedidamente desmedido, elejo desejos, vontades. Queria fitar São Jorge na lua, escrever uma música, fazer um café. Queria ler outro livro, outra página, outro verso. Queria sentir a noite, a brisa, o vento. Queria contar estrelas, pegar uma e oferecê-la e vê-la reluzir em outro espaço. Queria uma mão, uma voz, e, no instante do agora, me desfaço da impessoalidade. Eu, em verdade, te queria. Queria tua paz, teu céu, teu inferno. Queria teu instante, teu momento, teu olhar sorrindo, teu sorriso fitado em mim. Queria o teu gesto, preenchido com teu jeito, ao alcance. Queria tua respiração, calma ou descompassada. Queria teu suspiro, sentir o cheiro desse ar que que habita em ti. Queria teu abraço, lento, sem pressa do fim, sem fim. Queria contemplar teu rosto até ele se perder dentro dos meus olhos.

No entanto, as vontades estão sendo domesticadas. Esse é um momento de travessia, embora não entenda o que significa esse trilhar de um lado a outro, pois imagino que os dois lados são mera convenção, e qualquer ponto poderia ser margem, uma vez que poderia representar partida ou chegada. Mas aqui proponho significação de um lado e de outro: a margem leste, onde disse adeus; a margem oeste, aquela que ainda não alcancei.

E já me desfiz da bússola e tantas vezes percorro noites na direção do começo; em outras vezes não há vento que sopre as velas do barquinho artesanal, cujo material – sonho e dor – sucumbem entre a leveza da pluma e o peso do chumbo. E assim, sem propulsão, sem direção, retorno ao porto de saída, que, sem faróis, desabitado, quase assombrado, ainda é, a sua trilha, o caminho mais familiar que conheço.

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