setembro 20, 2008

o ser amoroso

é possível que o amor resulte inútil, é possível que jamais se encontre qualquer relação de propósito na contemplação amorosa ou na ação do amor, mas ama-se ainda assim. Busca-se as chaves das entranhas resguardas, vigiadas e dedica-se minuciosa e ostensivamente ao desvelar desse sentimento métrico e disforme, que a tudo confere sentido e gostos diferentes. Mas à pergunta “quem é o amor?”, abdico da resposta, mesmo porque se pergunto "quem", é por supor ser alguém. Então talvez a melhor pergunta fosse “QUE é amor?” e me convenço de que especulações teóricas desse tipo não atravancam, nem contribuem para o amar, para o ser/ saber-se amado. Por isso entendo o desvelar amoroso, como o desvelar do sentir, do sentimento, como a percepção do que resulta desse ser, e não como compreensão do que ele é. O beijo que arrepia a pele, o olhar compassivo, o gesto que acaricia, o corpo que pulsa, a fala que diz, o atribuir da beleza, tudo resulta, tudo são expressões passíveis de identificação da faculdade de amar ou do amor puro. Não condeno, porém, se um ou outro, ou muitos, ou todos aplicam o conceito de amor a esses instantes vividos, isso não é um mal, pois de fato se não é o amor em si, mas é, sem dúvidas - enraizadas ou fugidias - a forma mais aproximada de reconhecimento disto que nos unge.

setembro 03, 2008

para a flor sem nome

outro dia, pensado nas realidades últimas, reabri o calendário das ilusões perdidas e me pus no exercício de examiná-las sob a ótica da indulgência. Havia escritos sem data, sem pé, sem cabeça, sem corpo, sem corpus, sem categorias, sem referências. Escritos imprecisos, como tudo que se registra em folhas flutuantes, como asas de Ícaro, como flor de Lis. Embora rara, havia consistência em alguns devaneios. Fabriquei memórias que se projetaram numa expectativa futurista, num delírio de tornar-se, de vir-a-ser de novo um presente convicto. Desenhei sorrisos e bocas e pernas e braços e sonhos. Esculpi metáforas e ironias e pus-me a rir da idiotia que se apodera dos que se supõem sanos. Redijo, redigo e represento toda atrocidade despejada e já não a vejo atroz, foi passageira, como a lucidez que re-pensa a realidade posta.

setembro 01, 2008

soneto do dia anterior

sorrisos abertos em flores
como botões orvalhados na manhã
encorajam a mão silenciosa e artesã
a esculpir a face rota dos amores

não há jogos, promessas ou louvores
nada, nenhum porto a ancorar
nem alcova para o corpo acalentar
para aquecer e esquecer os dissabores

nenhum profeta foi anunciado
nenhum novo planeta avistado
nem a velha lua nova apareceu

nenhum vestígio de passagem,
nenhum rastro, nem miragem
nada, ninguém, nem mesmo eu