fevereiro 25, 2009

café com açúcar

mas como por magia, nas tuas idas e vindas formou-se um vínculo com a matéria que causa teu movimento. E nos dias que se seguem, cada ida fortalece o regresso pra esse ponto que nos rega e acalma e sentencia o óbvio: tudo é um ir sem fim ao teu encontro.

fevereiro 24, 2009

café sem açúcar

nalgum lugar, onde eu nunca estive, vivem a tua voz e o teu sermão. E mesmo quando mudos, sentenciam meus dias em tua direção. Compreendo teus argumentos, respeito-os, mas confesso, com olhar empoeirado, que me cansa essa espera. A espera de que outros ouvidos rotos compreendam teus desejos e te forneçam as chaves da prisão que construíste ao teu redor.

Nenhum confinamento se faz à revelia da escolha livre. Nem a tuberculose nos tempos de guerra foi mais destrutiva do que o desejo íntimo de permanecer encarcerado pelos hábitos e covardias dos dias. Cada instante é inédito e não precisa de molduras preexistentes; cada instante, no seu tempo, precisa de espaço para se compor ou decompor, de acordo com o que elegemos de importante, de acordo com o que reconhecidamente se quer. E esse querer que se quer é o que impulsiona e impele o livre curso da vontade.

Depois de tuas idas e vindas, pude perceber enfim o que é vontade. Ela se difere de querer. A vontade se faz quando se quer. Fala-se em vontade livre, mas toda vontade é livre, enquanto o querer contenta-se com a clausura. O querer discursa sobre possibilidade, a vontade é que é sempre possível. A vontade não precisa acontecer, à medida que no querer é necessária a escolha. E sempre escolhemos o pragmático, não dá trabalho, já foi posto. A opção pelo excêntrico pode nos sacudir da zona de conforto e mesmo na mais tenra idade, sentimo-nos velhos o bastante para sair da trilha programada. Aí não há querer, há vontade sem impulso maior, há uma vontade maquiada por desculpas fugidias de incapacidade, de falta de recursos, sejam eles reais ou imaginários.

Depois de tuas idas e vindas, sobretudo depois de tuas idas ficaram perguntas que não desejam respostas; ficaram dores que não saram com o repouso; ficaram sonhos que não se desfazem com o despertar; ficaram imagens que não se apagam, nem se ocultam. Depois de tuas idas e vindas, esqueceste de te arrancar de mim.

fevereiro 20, 2009

carnaval

as ruas estão de novo num colorido vibrante. Palhaços, pierrôs, arlequins. Maracatus com seus oxuns, oxalás, reis e rainhas. Passistas, frevos, blocos de rua e de paus e cordas. Tambores e clarins. Beijos, sorrisos, abraços, desejos. Olhares libertos, percorrendo os becos, as saias, os amores. Nenhuma alusão às tarefas dos escritórios, do comércio, da casa. Labuta e dores esquecidas, trancadas no porão da memória. Ou talvez dores esquecidas por não existirem efetivamente, por serem frutos da insaciável fome de querer sempre além.

O carnaval não requer expectativas, não requer sonhos, não requer desejos. Saímos às ruas de corações limpos, de alma aberta, com olhos sorrindo. O que acontecer será festa, será folia. Não há exigência de fantasia, nem tampouco de coreografia. Veste-se e dança-se sem medos de reprovações, de críticas. Aliás, quanto mais fora do padrão, mais dentro da festa você estará.

Os casais se enamoram de novo, renovam as juras de amor, alimentam a alma de paixão, jovens e velhos, brancos e negros, homens e mulheres, homens e homens, mulheres e mulheres, não há distinção, nem preconceitos. Parece que se faz um acordo silencioso de paz e perdão. As brigas são rejeitadas e banidas. Ninguém entende como buscar tormento no meio de tanta alegria. Surge um apaziguador em cada um de nós.

Mas eis que essa chama finda. Nas ruas, o movimento da multidão sem pressa dá lugar ao caos dos motores e da fumaça; nos corações, o festejo e o brilho dão lugar à impaciência, à ansiedade, ao medo; nas casas, os sorrisos são substituídos pelas novelas, pelas reclamações. Guardamos uma alma livre, tornamo-nos prisioneiros da nossa incapacidade de reconhecer que a leveza da folia representa a leveza que existe em cada um de nós. Tornamo-nos prisioneiros de nós mesmos, prisioneiros da incompetência nossa em perceber que a vida não precisa de cenários e fantasia.

Que sejam plenos os quatro dias do ano em que saímos fantasiados de nós mesmos.