junho 27, 2008

por trás das palavras

por trás das palavras tem as letras, não por trás, mas por entre as palavras. Não, também não por entre, através. E se envolvem e se entrelaçam umas às outras, modelando as palavras, construindo-as. A letra é o princípio formador da palavra, que forma o texto, o poema, o soneto, a carta, o livro... e aqui é pretexto. A letra é signo. Um signo é voz em silêncio, é o dizer sem pronúncia. Propaga-se em ondas de luz e de cor. A letra é significado e significante do que é igual e diferente de si mesmo. A letra é o signo da língua, que expressa a linguagem. Meu signo é A e minha língua fez de tua boca morada, nessa linguagem mística que atende por amor e se desfaz em saudade.

junho 21, 2008

pequeno discurso de amor eterno

se afigura tua imagem e muitos pontos estelares brilham felizes. Deve ser assim quando se ama, eu lembro e embora queira mesmo esquecer, o amor é incisivo e permanece. Eu vi um céu cor de chumbo desabar e soube a que se referia. E eu sonhei contigo, acordei contigo e no instante seguinte já havia te perdido outra vez. A chuva me fez companhia no resto da madrugada, irrigando a terra árida do meu peito, esquivo e hostil a sementes de árvores amorosas. Passei a vista perdida em folhas, que mais pareciam carregadas de signos mortos e incompreensíveis. Mas veio o som do telefone, que trouxe susto e uma enxurrada de intuições... A primeira e mais precisa: tua voz aflita, do outro lado, falando de saudade, de amor, de desejo. Esqueci das demais proposições, recusei atender a chamada e dormi com sensação de que você estava ali, velando meu sono.

junho 20, 2008

história pra lua dormir

há dias em que tudo que pretendo ser, supõe-se assim: introspectivo. Resguardo em silêncio uma memória antiga, presente, contudo. Dispõe-se ao lado, imparcial. E um ponto na parede parece o apocalipse diluviano, como uma lagartixa repousada, aguardando o desaviso do besouro. Numa divagação solitária, aguardo paciente o aviso de fumaça que sinalizará ao longe, por trás da colina, a saída fugidia dos guardiões do abismo, enquanto o cão farejador e brincalhão se dispõe a aturar meu mau humor e eu aprendo com isso. E me ensina mais que qualquer bodisatva, talvez exatamente por ser ele o iluminado.

Mas não me ocorre mudar o enredo. Mutilações e lapsos não redirecionam o desejo, mesmo diante do profundo entendimento de que o futuro é a coisa mais inexistente que existe. Nessa compreensão posso errar, o que em absoluto traz transtorno, pois na ocorrência do erro, terá havido convicção. Um erro convicto parece ser melhor que um acerto duvidoso. É certo, porém, que torno ininteligível muitas falas, mas ninguém consegue perceber, a rigor, todos os conceitos relatados, por mais evidentes que se mostrem e isso seria um contra-senso. Às vezes tudo parece óbvio e lá vamos nós acumulando teorias. É como se fosse dado. Esquecemos da leitura das entrelinhas, do olhar apurado naquilo que se projeta difícil. Se assim não for, onde está o fundamento de uma das tantas sentenças cristãs: “Deus escreve certo por linhas tortas”? Linhas tortas, caminho torto, não, eu não acredito na predestinação, nesse determinismo chamado de destino. Ele é alimentado com palavras e gestos e olhares e canções. Nutrimo-lo delicadamente todos os dias e num belo momento, de tão bem cuidado, desabrocha um “futuro”, em realidade presente, com cara de fatalismo. Eu acredito na previsibilidade construída, com um toque de arte daquilo que não reconhecemos nos dias, de tão claro que se mostra.

Sim, é uma outra interpretação, mas pelo menos não tão trivial assim. É como a lagartixa na parede, como o cão farejador, comuns e excêntricos; similares a tantos, únicos no contexto, únicos na história, como a própria história.

junho 15, 2008

o desamor de quem se ama não é parâmetro para nada, move-se em outra dimensão: à margem

nunca deixe que seja tarde demais, por mais que se desconheça se há um tempo tarde. Seja agora, seja hoje, para que o sempre se solidifique, se enraíze e seja cotidiano. Seja um mundo, meu mundo. Seja esse termo que, independente do contexto, implica englobar coisas e situações, onde se denota a totalidade das mesmas. Seja a totalidade do que entendo, do que conceituo como realidade última da vida. Mas, ao que parece, é tarde demais. E não falo da hora no relógio, o tempo não determina se é cedo ou tarde. Pessoas determinam. E, até onde eu saiba, o tempo perdido legitimou passado. É tarde e passou. Passou porque ficou tarde e esquecemos de acender as luzes e seguir de mãos dadas. E quando dei por mim, seguia na penumbra e não havia ninguém ao lado e era tarde pra voltar pelo caminho e saber em que trecho exato, de dia claro, fez-se escuro, fez-se temporal.

Não pretendo aqui afirmar o que é, dizer as coisas como são, mas não posso afirmar algo como sendo, sem ser, isso implica um falso conceito. Por isso não quero dizer que é tarde, pois não sei o que em verdade isso significa. Posso, contudo, me valer do senso comum, que entende como sendo tarde, um lugar de onde não se retorna ao começo dele mesmo. Então, que nunca seja tarde a ponto de não ser possível reconhecer onde se precipitou o início.

O tempo segue num curso indefinido, por vezes breve, por tantas sustenido. As horas não supõem passagem de tempo e ser tarde não significa necessariamente que o tempo está adiante. Não me foi dada a compreensão se ele, o tempo, segue em linha reta, ou gira em torno de mim, dando voltas, projetando e refazendo caminhos com ares de inéditos, sendo os mesmos. Mas entendo que eu passo, mesmo que o tempo permaneça, por isso fica tarde, independente das horas. Entardeci, caiu a tarde em mim e ardi de saudade.

Mas não entendo tarde demais. Abdico do superlativo e contemplo a proximidade do dia que passou e do que virá, tangente ou girando ao meu redor.

junho 09, 2008

o amor de quem se ama não é parâmetro para nada, move-se em outra dimensão: acima, no alto

sentada, com os olhos habitando no infinito e com o peso de uma tarde nos ombros, vou aos poucos esquecendo o que podia dizer, o que permaneceu em meu pensamento e nele mesmo se perdeu. Mas nunca existiu nenhum discurso certo, não seria agora. As palavras escapam e se perdem, mas não sem antes nos atribuírem suas marcas. Eu sei mais hoje do que sabia ontem e, por isso, tudo parece mais cruel, mais feroz, mais desalmado. Pequenas lanças de (in)verdades despercebidas e individualizadas, percorrem oceanos e mares e serras e vales e se encravam no espírito e provocam terremotos de sentimentos difusos e confusos, ali onde toda força se movia para o encontro com a calmaria.

Eu valorizo o silêncio. Entendo que só nele posso reconhecer cada bocejo, cada sopro, cada ai. Eu valorizo a escuridão, porque só nela posso perceber com clareza cada relâmpago que se despeja do alto, cada chama, cada brasa. Eu valorizo a solidão, porque apenas nesse estado de unicidade singular, compreendo a grandeza da presença da luz, do som e da companhia do amor de quem se ama.