junho 20, 2008

história pra lua dormir

há dias em que tudo que pretendo ser, supõe-se assim: introspectivo. Resguardo em silêncio uma memória antiga, presente, contudo. Dispõe-se ao lado, imparcial. E um ponto na parede parece o apocalipse diluviano, como uma lagartixa repousada, aguardando o desaviso do besouro. Numa divagação solitária, aguardo paciente o aviso de fumaça que sinalizará ao longe, por trás da colina, a saída fugidia dos guardiões do abismo, enquanto o cão farejador e brincalhão se dispõe a aturar meu mau humor e eu aprendo com isso. E me ensina mais que qualquer bodisatva, talvez exatamente por ser ele o iluminado.

Mas não me ocorre mudar o enredo. Mutilações e lapsos não redirecionam o desejo, mesmo diante do profundo entendimento de que o futuro é a coisa mais inexistente que existe. Nessa compreensão posso errar, o que em absoluto traz transtorno, pois na ocorrência do erro, terá havido convicção. Um erro convicto parece ser melhor que um acerto duvidoso. É certo, porém, que torno ininteligível muitas falas, mas ninguém consegue perceber, a rigor, todos os conceitos relatados, por mais evidentes que se mostrem e isso seria um contra-senso. Às vezes tudo parece óbvio e lá vamos nós acumulando teorias. É como se fosse dado. Esquecemos da leitura das entrelinhas, do olhar apurado naquilo que se projeta difícil. Se assim não for, onde está o fundamento de uma das tantas sentenças cristãs: “Deus escreve certo por linhas tortas”? Linhas tortas, caminho torto, não, eu não acredito na predestinação, nesse determinismo chamado de destino. Ele é alimentado com palavras e gestos e olhares e canções. Nutrimo-lo delicadamente todos os dias e num belo momento, de tão bem cuidado, desabrocha um “futuro”, em realidade presente, com cara de fatalismo. Eu acredito na previsibilidade construída, com um toque de arte daquilo que não reconhecemos nos dias, de tão claro que se mostra.

Sim, é uma outra interpretação, mas pelo menos não tão trivial assim. É como a lagartixa na parede, como o cão farejador, comuns e excêntricos; similares a tantos, únicos no contexto, únicos na história, como a própria história.

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