outubro 31, 2007

sobre plumas e monstros

suposto ter sido o dia leve. Hoje é uma data sem data. Sim, mas o dia foi produtivo. Até o momento em que entrei em casa e vi teus olhos apontando para os meus. De soslaio, mas apontando para os meus. O que eu sei? Eu não sei. O que sei já ultrapassa o limite da repetição suportável. O vinho que matenho cuidadosamente na horizontal, no lugar mais fresco da cozinha, já atravessa meu campo de visão. E não acho que as pessoas são piores ou melhores porque usam algum tipo de droga lícita ou ilícita nos seus dias. Sei que há coisas fugidias que se intercalam no caminho e são muito mais nocivas que qualquer elemento alucinógeno que possa ser ingerido. Mas faço parte dos novos burgueses pudicos, comedidos e de discurso aprumado que fomentam o uso apenas do aceitável pelos olhos do vizinho. No meu caso, é aceito desfrutar do destino mais nobre da uva cabernet sauvignon. Mas voltando ao eixo, o dia foi produtivo e leve, posso descrevê-lo com os mesmos termos e taxá-lo de levemente produtivo. Foi intenso: calor intenso, trânsito intenso, barulho intenso, amor tenso, saudade... aqui paro, condenso. Eu sei que a música que ouvia ontem pela manhã continua repetindo baixinho num canto da sala e as folhas dispersas que jurei guardá-las hoje, foram incrementadas por outros escritos de igual importância. Mas já fiz novas promessas. Amanhã voltarei à corrida. Cinco da manhã: tênis, meias, roupa leve, seis quilômetros pela frente. Disseram que eu posso desaparecer, mas argumentei que o natal e o reveillon nos trazem bons acréscimos calóricos, é preciso subtrair mais que o necessário, para garantir a adição sem culpa... que papinho mais sem propósito! Resumindo: a primeira refeição, uma água de coco; a segunda, um coca zero; a terceira, uma barra de cereal; a quarta, um vinho. Mas teus olhos apontando para os meus foi uma coisa que me assustou. Esqueci ao longo do dia que tinha te deixado neste canto, para atravessar-me. Teus olhos apontando para os meus, aqui e por trás da câmera. Teu sorriso provocando meus sentidos, aqui e por trás da câmera. Mas sim, meu dia foi quase leve. Produzi o que disse que faria, mas não disse muito. Por isso começarei o próximo dia com seis quilômetros a serem escritos.

Era suposto ser leve esse texto. Era suposto ser producente. Mas na verdade, quero apenas que o mês termine. Faltam 28 minutos!

outubro 28, 2007

silêncio

a qualidade do que é frágil não se discute, pode quebrar. Deve ser cultuada em silêncio. Num silêncio de noite. A noite guarda a delicadeza das coisas. Na sua beleza negra de mãe que acolhe, guarda o sentimento de tudo.
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divagações em uma fria noite - julho de 1999


outubro 25, 2007

fome de amor

a maioria dos lugares por onde passamos e que neles há escritos, estes, infinitas vezes, fazem considerações sobre o amor ou ao ato de amar, ou à coisa amada: a personificação do sentimento. Quase todos prolixos, às vezes com relampejos de erudição. Mas o amor é prolixo e pontual; erudito, mas simples também. Paradoxo em si.

A luta diária é para prover o sustento do corpo e da alma. Salários pagam o pão nas suas mais variadas formas. Mas e o amor, como saciar nossa fome de amor, a sede por sermos amados? Salários não pagam o amor. Eis um item impagável, senhores. Guardem seus milhões! Amor é serenidade, simplicidade, altruísmo, devoção.

“Eu te amo!” Trezentos milissegundos depois de proferir esta fala, podemos ser arrebatados pela mais perfeita audição, o pão mais sublime para a alma: “eu também te amo”. Mas o amor não exige troca, nem poderia. E passamos os dias tentando controlar ou satisfazer o apetite: olho na balança, olho no relógio, tempo apressado. Passamos os dias tentando controlar a ansiedade para amar ou para sentirmo-nos amados: medo da rejeição, medo da solidão.

E matamos a fome. Matamos também o amor. Queremos trocas e certezas. Achamos que vamos morrer de inanição: o amor está escasso. O amor se torna insuficiente. Privação de amor. Será mesmo? Será que não nos boicotamos vez ou outra? Por que tantas vezes nos permitimos à reclusão e não buscamos alimentar ao amor, ao invés de colocarmo-nos na posição passiva de sermos supridos por ele? E tem sido essa a minha mais importante tarefa dos dias, alimentar a esse amor. Tratá-lo com atenção. Lisonjeá-lo sem pieguice, embora compreenda a tênue linha entre esta e o amor.

Não tenho fome do teu amor, ele me sacia. Tenho fome do teu sorriso, da tua boca, que sorri e beija. Tenho fome dos teus braços que enlaçam meu corpo. Tenho fome da tua voz dizendo eu te amo. Mas espero. Olho a lua boiando lá fora e exercito o altruísmo. Apenas deixo que saibas que, de minha parte, ela é tua. Não precisas dar-me nenhuma estrela por isso. Pega essa estrela e enfeita o nosso amor. Mima-o, pra que ele seja sempre o que é hoje: um amor puro e livre.

Mas ninguém nunca imagina que um amor assim possa acontecer, mas acontece e para nós aconteceu. Agora quero ficar com ele pra sempre. Quero amá-lo do jeito que amo agora pra vida inteira. Se formos embora, perdemos tudo... não nos perca, não se desfaça de nós. Parece que o amor não segue expectativas, que é mistério puro e absoluto. Ainda assim, vamos regá-lo! Vamos rodeá-lo de cuidado e atenção e todos dirão que temos muita sorte.

outubro 21, 2007

escuta

preso a um corpo e a uma profissão, meu espírito vagueia entre o teu amor e a felicidade que ele me causa.



outubro 08, 2007

sobre o desejo

adentrar-te!
roubar-te a íris
e o teu branco - mácula lútea.
perceber tua alma inquieta
e fazer-te senti-la percebida.
e aprender-te em braile.