dezembro 26, 2007

para dizer o mesmo

sobre o Natal muito já foi dito e muito se diz. Sobre o amor, perdera-se a idéia do quanto já se mencionou. Desde inscrições rupestres, passando pelos hieróglifos perfeitos nos papiros dos escribas egípcios; partindo de línguas mortas até às vivas línguas atuais, o amor sempre foi tema explorado, especulado, esmiuçado. Não seria então mais um breve relato sobre ele, o amor, que o tornaria desinteressante, repetitivo, descolorido.

Eis que me respaldo. Compreendo, porém, que justificar nova alusão ao sentimento que guardo em mim, não me assegura da evasão daquele olhar, que é endereço certo do amor que agora explicito.

A noite desceu como uma lâmina sobre os meus cabelos. Surgiu sem poesia, em detrimento à lua que se afigurava no lado direito do meu campo de visão. Cheia plenamente, mas quase se esvaindo em míngua. Flutuante e clara. Servindo de candeeiro à escuridão fria da serra. Meus olhos, absortos, viam imagens passadas, num momento em que tu eras pura presença e leveza nos dias. Mas onde tu estás, além daqui, nessa memória, que de tão permanente, projeta-se na retina e a faz mais real que a lua e as estrelas lá fora?

Fecho os olhos e a imagem permanece, quase concreta, quase palpável. Temo estender a mão e desfazê-la em poeira. Imagino teu sorriso em minha direção e parece que um sol acabou de surgir na manhã. Não falarei de cores, não falarei de pétalas, muito menos da rosa inteira. Quero apenas fitar teu sorriso, que sempre me deslumbrou. Quero pensar que ainda sorri pra mim, que ainda busca o meu norte. E me escapa um suspiro dos lábios. Imagino nossos dias, imagino que tudo é possível e quase sinto o teu cheiro.

dezembro 19, 2007

meio dia, no meio da noite

o novo dia por aqui acabou de chegar: 0h00.

Eu não encontro a posição certa para os móveis, eu não encontro o disco certo para os ouvidos, eu não encontro a comida certa para a mesa. Mas está tudo posto. Tudo dado. Sigo a vida sem grandes deslumbres, mas me deslumbrando a cada novo evento da alma.

Hoje a dor não me reparte em pequenas parcelas de mim. Hoje sou um todo. A dor saiu a passeio e avisou que não a esperasse tão cedo. Temo pelo vento frio nela que sofre de reumatismos e tem fôlego curto. Temo pela violência urbana que não escolhe a quem atacar, mesmo a uma senhora indefesa e raquítica e desnutrida. Temo pelos desapercebidos que possam acolhê-la em seus lares e que não saibam mais como gentilmente fazê-la sair. Temo que ela esqueça meu endereço (apresenta os primeiros sinais de Alzheimer).

Hoje não me reparto. Não me desfaço. Hoje não será preciso ajustar cada parte de mim ao amanhecer. Hoje não preciso de telefones, nem de cartas, ou cavalos alados. Hoje me refaço, retenho-me, regozijo-me.

A noite lá fora, o dia aqui dentro. O medo lá fora, a luz aqui dentro e o teu nome, que não me assusta, nem resgata a dor da noite lá fora.

dezembro 14, 2007

na tarde que cai

nessas horas de saudade, todo pensamento é inútil. Não há nenhum movimento neuronal que guie a memória por um caminho suave. Tudo é dor. Tudo se faz em branco e preto e amarelo. E aqui o amarelo é pura condescendência do sol a espreitar-me pela fresta da janela. Forma-se um vazio turbulento, quase tempestade. Os minutos representam grandes vãos. Vãos de portas que se abrem para o nada, mas revelam expectativas, que expressam a inutilidade do pensar. Vazio ócio, vazio dócil dado pelo preenchimento quase sufocante da presença ausente. O mantra desse aprendizado é saudade, saudade, saudade, saudade... seguido num tom maior pelo teu nome, teu nome, teu nome, teu nome... E lá se vai a tarde seguindo o pulsar dos segundos. E lá se vai faceira a tarde. Enquanto a saudade e o teu nome dispersam os ambientes e arrastam o tempo. Os ponteiros chicoteados obrigam-se a parar, parar, parar... saudade, saudade, saudade... teu nome, teu nome, teu nome... que flui tão suave em minha boca.

dezembro 08, 2007

roteiro

fim de tarde. Dia comum. Lugar estranho. Céu azul. Nuvens brancas. Silêncio urbano. Pássaros em festa. Vento cantante. Flores em balanço. Flores de frutos: acerola, caju, manga, goiaba... Janela. Varanda. Pôr-de-sol. Calor. Condicionador de ar. Banho frio. Pele fresca. Perfume suave. Cama macia. Luz branda. Livro aberto. Olhos inertes. Senão fosse pelo céu, trovoada. Horas lentas. Hora sem hora. Hora do dia. Carros ao longe. Tempo desapressado. Poeira rodopiante. Céu completo. Paredes partidas. Cinza verão. Burrico estradeiro. Carroça de boi. Cachorro. Galinha. Arca de Noé sertaneja.

Olhos abertos. Caneta em punho. Tinta escorregadia. Pensamento confuso. Respiração ofegante. Olhos fechados. Imagem óbvia. Corpo vulnerável. Corpo preso à condição celibatária. Nenhum desejo. Nenhum sobejo de desejo. Olhos abertos: cegueira completa. Olhos fechados: luz.