março 30, 2007

assincronia

e os dias persistem vazios e inacabados, envolvidos por uma crônica solidão, às vezes assintomática, frívola, inaparente. Tua imagem é quase um símbolo de resignação. É próprio dos amantes sofrer por antecipação ou remoer pequenas dores. Sentem prazer nisso. Ao mesmo tempo em que buscam um desfecho razoável, com frases óbvias ‘me perdoa, eu te amo’. Já não sei do que sinto ciúme, mas lembro o estímulo inicial. Hoje qualquer sugestão desencadeia essa reação em cascata: corda, penicilina e flor... li isso em alguma canção, que esqueci a autoria, mas é a medida certa desse medo que espreita minha casa e atende por teu nome.

Ando vivendo essa série de ‘escondam-as-cordas-os-estiletes-a-água-sanitária’, nesse mundinho chinfrim que a gente cria pra dizer que sofre e pra nutrir a dor. Ando ouvindo Dolores Duran... ‘olha, você vai embora, não me quer agora’; Nana Caymmi... ‘sabe, eu não faço fé nessa minha loucura’; Byllie Holiday... ‘if you’re mine’ e indo além... choros e sambas que fizeram a noite paulistana de décadas atrás; tangos e boleros; Ataulfo Alves... ‘atire a primeira pedra’; Ângela Rô Rô... ‘sonho acordado, sou sua’; Gonzaguinha... ‘coração aberto, tô sangrando’; Renata Arruda brincando com Bráulio Tavares... ‘sabe o que você é para esse cara aqui, é um pára-quedas da FAB, daqueles que nunca abre na horinha de abrir’... Mas vamos deixar essa discografia de lado. Subitamente, acho desnecessária essa profanação. A dor, tal qual o amor, não se descreve, sente-se, parafraseando Sêneca.

Mas continuo apostando no amor. Continuo querendo viver um dia de cada vez, um sorriso de cada vez, um beijo de cada vez, um olhar de cada vez e, claro, o inevitável, um pouco, mas só um pouquinho de dor de cada vez.

E lá se vai mais um fim de tarde. Dia soturno afunda no horizonte. Sombras do sol ainda clareiam vagamente a folha de papel, sobre a qual me debruço, sobre a qual me entrego e regozijo esse prazer ínfimo de dizer-te, mesmo sem que saibas, que minha dor é tua, por que é teu amor quem me traz.

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