abril 24, 2008

achismo

posso falar de dor, de amor, de rancor, de dissabor, de louvor, de calor, de rubor, de sensor, de detector, de tremor de terra e de mãos, mas não posso falar de ti. Como alguém pode inexistir de forma tão categórica na vida de outro?

E o que me importa descrever tantos adjetivos de amor, elaborar tantas definições, se nenhuma delas foram suficientemente graves para que continuasses a me olhar? Na verdade, nada te faria me olhar de novo. A propósito, alguma vez olhaste só para mim, fui teu alvo único ao menos por um pequeno instante? Porque eu sei que não fui o que sendo, disse-te que seria. Não me apresentei em gesto o que em demasia me expus em palavras. Culpo essa introspecção expansiva, própria de quem, em essência, se constitui duplo. Mas sou isso que sangra em verbetes equivocados e inexpressivos, coerentes com a dificuldade de dizer o que grita na mais remota profundidade do que sou. Sou a dor maculada em riso e bons modos. Sou o afeto, revestido em apego. Sou o olho que cega na busca da luz antes nele refletida. Sou o canto de amor que brota da chuva quando pisa no telhado. Sou a carícia da gota, quando resfria a pele que queima pela saudade. Sou quem te ama e assim me reconheço.

Então, silêncio. Acalma esse teu coração impulsivo, esse desejo de dizer coisas que já não interessam à tua platéia, aos teus ouvintes. Aos poucos, o tecido pesado e denso que formava tua cortina, foi sofrendo pela ação do tempo, desgastou-se, rompeu-se e te vimos sem maquiagem, sem fantasia, no camarim, só. Numa mão uma taça de champanhe barato, na outra, restos de ilusões escritos às pressas em guardanapos de bares e botequins, onde transgredias as madrugadas.

Silêncio. Não há nem mesmo lágrima, nem sorriso, nem aplausos. Assume essa face plastificada pela dor e desencanto por não ser, por não ter sido, por não poder mais ser. Faz uma prece. Pede calma, pede paciência, mas não fala. Não diga o que já não convence. Não encena outra vez esse texto retocado, remendado, mas com a mesma intenção desalinhada de dissuadir corações puros, de fisgá-los e prendê-los na tua toca de fera comovida.

Cala-te. Não cogites repetir. Já há tanta insanidade dispersa, não contribuas ainda mais. Faz silêncio, ouve apenas o que não precisa de palavras, ouve o que vem de ti, ouve além do que foi estabelecido como certo, como fim, como norma, como pronto. Ouve além dos teus achismos veementes.

E o que me importa descrever tantos adjetivos de dor?

Nenhum comentário: