abril 19, 2008

cuidado de lua (não falo de cuidado possuidor de fases)

a lua me acertou. Branca, cheia, flutuante, inconstante. Lá por cima, através do telhado, através das lacunas das janelas, transpassa seus tons noturnos, transpassa meus sentimentos soturnos. Sinto-me assim, como um náufrago que oscila entre a embarcação e o cais, e emprega as suas últimas energias para derramar um olhar solitário e contemplativo na direção dessa bola celeste e inebriante. Imersa em livros e folhas, sem compreender a fala das letras, nem a voz da tinta, apenas direciono os olhos à janela entreaberta e me permito o arrebatamento. Idealizo esse crime a mim mesma, que consiste em maltratar um coração que se esforça em alcançar a margem segura desse mar sem fim da dúvida e do tormento.

Esquivo-me à ponderação sobre o ato de pensar em ti, num dia com noite de lua cheia. Sei dos riscos e rio deles, já não me causam aquela dor áspera, que se movia com rapidez tal, que em segundos todo corpo se contorcia em agonia súbita. Hoje ela é lenta e suportável e quase feliz, precipita-se em vida. Dor é vida, é sensação que demanda cuidado, proteção. E lembro das pessoas que estão por perto, que não se permitem ficar ao largo, só porque em alguns momentos, nossos discursos são tão os mesmos, são franca ecolalia e, à revelia do inédito, nos ouvem. Isso é cuidado. Por isso a lua não me machuca, apesar de me acertar, ela me ouve, ela sabe, ela me olha e se abre em brilho.

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