abril 25, 2008

delírios e delícias*


falo muito sobre o amor, falo muito sobre a verdade, sobre o que conheço por verdade, sobre o conhecimento que caracterizo como potencialmente verdadeiro. Tenho conceitos próprios, ora duradouros, ora efêmeros. Falo o que convém, mesmo quando não conveniente e às vezes silencio. E falar sobre essas coisas leva, necessariamente, ao discurso sobre desamor, sobre mentiras e não-verdades, que as suponho, estas últimas, categorias completamente distintas. Por exemplo: tenho relegado, rejeitado o amor erótico, o amor romântico, mas em absoluto, essas opiniões metaforizadas significam que eu não deseje esse amor assim editado. Então supor o amor falível e desejá-lo eterno, não implica aversão ou contradição. Entendo como uma verdade ou não-verdade inconstantes, mas não uma mentira.

Talvez sejam delírios de desamor, não se trata de rancor. Essas coisas andam separadas. Nesse aspecto, concordo com Freud, que afirma ser defesa o sistema delirante. Por isso me sinto mais leve, exceto naqueles momentos em que meu delírio de boa companheira é esmagado na parede, com suposições mesquinhas. E essa característica classificatória, própria do que se diz humano, é em mim muito sintomática. Se classifico e atribuo categorias às coisas é apenas para melhor compreendê-las. Faço uso exagerado da conceituação e categorização de termos, através desse meio sistemático de comunicar idéias e sentimentos, utilizando signos convencionais e que denominamos linguagem. Abuso da linguagem gráfica, mas percebo que desemboco em teorias antigas, de autoria própria, inclusive.

Mas quero me ater às delícias dos dias. Quero falar sobre o doce-azedo do umbu, sobre o frescor da água, em meio à tarde ensolarada; quero falar sobre o combate lingüístico em discursos acadêmicos (que põem em dúvida nossas convicções mais antigas); quero falar sobre a chuva que tem refrescado as madrugadas; quero falar da palavra em voz comovida que me foi lançada outro dia; quero falar de tons claros, como rosa, azul, branco, amarelo; quero falar sobre o amargo atraente da rúcula, que enfeita e impregna de sabor as refeições; quero falar do frio e do doce do sorvete de manga; quero falar sobre o vento que assanha meus cabelos; quero falar das mãos que dão carinho sem esperar retorno; quero falar da música que promove flutuações; quero falar da luz que rompe a noite e da escuridão que adormece o dia; quero falar sobre pombos que fizeram seu ninho em minha janela e me acordam com seus sons gorjeantes; quero falar de borboletas e nuvens; quero falar de outono; quero falar das presenças diárias e gratuitas; quero falar da paciência e ternura dos amigos; quero falar do teu jeito manso e delicado de dizer as coisas, que tem me feito pensar nas paisagens mais lindas, que tem me feito acreditar e querer classificar o amor, o desamor, as verdades e não-verdades dentro de outras categorias, mais leves, mesmo que transitórias.


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pegando emprestado e adaptando o título de um disco de simone bittencourt de oliveira, da década de oitenta, precisamente, de 1983

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