março 18, 2008

sobre a palavra

tenho especial atração pela palavra. A palavra cantada, escrita, dita, me causa encantamento. Mas gosto sobretudo do jeito como se diz a palavra. Gosto de ouvir cada letra no seu tempo, com a força que lhe couber no instante da pronúncia. Gosto da palavra que sai da boca após reflexão, como gosto da que escapa sem aviso e nos impregna de léxicos. É vital, no entanto, para os ouvidos o dizer apurado, a modulação do som, que confere cuidados com a palavra, respeito com o que pode constituir um significado, mesmo quando sozinha, operando o seu livre-conceito.

Tenho interesse na beleza que esses sons articulados produzem, quando exprimem idéias. A palavra, quando dita, pode ser uma carícia espalhada pelo vento, que penetrando pelos ouvidos, acaricia todo o corpo. A palavra é dádiva que jamais retorna à fonte originante no mesmo formato. Uma vez pronunciada, não poderá ser capturada, armazenada, escondida, pertencerá a quem ouvi-la. Por isso a importância do bem-dizer, existe apenas uma oportunidade de proferir o som e manifestar uma significação. Mesmo que repetida, jamais expressará o que a pronúncia anterior sugeriu.

A palavra é texto, pretexto e contexto. Acompanha-nos mesmo quando silenciosa, mesmo quando emudecida. A palavra não precisa de alto-falantes, ela pode ser sussurrada e gerar mais deslumbramento que se lançada em tons maiores, mais graves, ostensivos. Na verdade, em mim, gera mais impacto quando assim, murmurada.

Gosto da articulação da boca, do movimento dos lábios, de como os olhos acompanham o dizer, ligados por uma relação de pertinência, como a harmonia de uma orquestra sinfônica. Gosto de como as mãos regem e acompanham e se intercalam entre os sons e os gestos. Encanta-me quando se inverte a fala, enaltecendo a palavra, ainda que para ter um sentido mesmo, mas que vai despertar a atenção pela possibilidade de se produzir o novo, com o que é comum.

Gosto de como se diz. Então, que sejam ditas todas as palavras. Articulem-nas em meus ouvidos. Contem histórias, cuidando de cada uma delas, das palavras, de tal forma que transcendam as noções óbvias, captadas pelo sentido natural da audição e ressoem como cantorias e sejam percebidas pela alma.

Um comentário:

Anônimo disse...

Proust dizia que "cada leitor, quando lê, é um leitor de si mesmo".
Se olharmos as palavras atentamente, de perto, perceberemos que cada uma tem mil faces secretas. É preciso apenas que se "penetre surdamente no reino das palavras".