Não é possível qualquer debate acerca do amor entre o amante e o não-amante. Há desconexão de discurso, há conflito, resistência, perturbação, adversidade. Por isso sempre rememoro com espanto minhas bases conceituais amorosas, nos distintos períodos em que me ponho como amante ou não-amante, como quem sente ou como quem pensa. Contradizeres se despejam em abundância.
As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. (Clarice Lispector)
março 21, 2008
a dualidade do que é uno
articular verbos sobre o amor vem do desamor. Essa certeza é posta, porque é preciso pensar sobre o que se escreve e é no desamor, somente nele, que conseguimos o distanciamento necessário para argumentar, desenhar e desdenhar do amor. Quando há amor, sente-se apenas, sem pensares. Suponho ser essa a razão para o que eu escrevo agora: poder pensar sobre o amor, na ausência do cenário amoroso. Quando há amor, não há julgamento. O que poderia ser julgado? Para o amante, o amor é dogmático. Mas não nego o sem-fim de verdades dogmáticas impregnadas na escrita sobre o amor não-amante, que as tenho inclusive. No amor, a maior verdade é que não há fim; no desamor, sabe-se e é certo que tudo acaba. No amor, a liberdade só tem fundamento se houver prisão no peito amado; no desamor, a regra está na destituição das amarras. No amor, quebra-se o paradigma da imperfeição humana, o outro se torna um deus de serenidade, brandura, compreensão, carinho, doação; no desamor, reconhecem-se as caricaturas sobrepostas, as qualidades maquiadas.
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