março 03, 2008

tratados e armadilhas

zumbido de abelhas estraçalhando o silêncio flutuante do passado. 'Vamos, acorde! O padre já vai celebrar a missa...' 'Que missa? Hoje nem é domingo!' Conto de fadas nordestino: a mocinha em seu vestido rosa-flor, com perfume de laranjeira e duas tranças no cabelo, presas por fitas brancas de cetim. Na memória, encontro marcado: missa matinal, na capela da cidade. As palavras do sacerdote terão conotações várias, e ela se colocará na posição de obediência aos ritos, de risos sobre os ritos, até o momento em que haverá ausência absoluta da percepção da voz do vigário.

O amor é igual em qualquer contexto. Na balada da cidade grande; no bailinho da cidadela esquecida entre os montes; nos bares, que acolhem segredos de fins de tarde; nas calçadas das cidades históricas; nos shoppings climatizados e hostis; nos consultórios de psicoterapia; nas salas de aulas infindáveis; nos leitos hospitalares; no silêncio dos museus; nas salas de projeção; nos quartos de penumbras e sussurros. Desmerece traduções, desconsidera interpretações. Diga-se amor e eis que se formulam tratados. Iguais em essência, repetitivos e trágicos.

Esse amor passa zombeteiro por mim. Acena-me ao longe. Acho que por descrevê-lo, se pôs arrogante e auto-suficiente, magoou-se, revolveu-se em sua vida sumária e efêmera, eterna apenas por ocupar almas que se sucedem e se continuam, num ciclo sem fim. Esse amor me golpeia. Não sei vivê-lo. Quando entendo ser um bom momento, ele se despede e busca outro aconchego. Esse amor é igual em qualquer contexto, mas passível de adestramento. Se reconhecido pelos que o acolhem, disse-me deixar de bancar o filho pródigo.

Mas esse zumbido me desperta, ao mesmo tempo em que faz adormecer a mocinha em seu vestido rodado, cor rosa-flor. Ela vive em plenitude. Ela ama, eu verbalizo.

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