fevereiro 19, 2008

olhos e lua

as noites enluaradas são particularmente assombradas. Assombro-me com o ângulo em que se põe meu olhar, com minhas palavras. Divagações retorcidas em memória. Dispersão! Mas a lucidez me acompanha. Desconsidero as várias percepções que atribuo ao mesmo fato nos diferentes dias. Permaneço lúcida e é impossível não rir de mim mesma. Lucidez condicionada, mas com vista clara. Lucidez diverge aqui de sanidade. Preencho as qualidades necessárias para o sano, mas prefiro reconhecer a lucidez sem adjetivos, ou apenas reconhecê-la como transparência, como o céu que, de tão limpo, ficou transparente e trouxe a lua outra vez.

Como devo supor os eventos que atravesso? Cíclicos, lineares, disformes, proeminentes... finitos ou sem fim? As relações que se montam nesse atravessar não se alteram em essência. Todas geram estímulos mútuos, contrários e excludentes. Nenhuma relação se faz sem esse nome: conflito. A diferença está na dimensão em que o conflito ocorre e na proporção que lhe atribuímos. Interesses podem caminhar aos pares e ainda assim serem divergentes.

Eu te amo e você me ama. Onde está o conflito? É gerado na diferença que há (1) na forma como queres que eu te ame e como por fim te amo; (2) na forma como queres meu beijo e como de fato te beijo; (3) na hora em que queres meu riso e apenas te olho; (4) no dia em que queres silêncio e eu sou um amontoado de palavras; (5) quando queres cumplicidade e eu busco os amigos; (6) quando queres ler um livro e eu quero ler teu corpo; (7) no momento em que precisas de compreensão e eu preparo o jantar... (n) na hora do fim quando se confunde tédio com falta de amor.

Então entendo que quando amo, sou ainda mais dada aos conflitos. Guerras de amor, presentes e desnecessárias. Esqueço a perspectiva alheia e fixo o olhar na perspectiva que me convém. Esta é uma forma sutil de orgulho. Tudo bem, todo orgulho é resultado de burrice, estupidez, ignorância. Resta a certeza frágil de uma lucidez sã e compassiva, que traga menos assombro diante da beleza singela da lua e dos teus olhos.

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